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Although Vinicius had established his public figure through poetry and popular song, he was one of the greatest prose writers of his generation. As a matter of fact, a generation where the good prose of that time was crystallized through a chronic genre extremely characterized by the style of Rio de Janeiro city.

 

With a large number of newspapers that circulated in the city and with a team of writers which would vary from Rubem Braga to Carlinhos de Oliveira, from Carlos Drummond de Andrade to Clarice Lispector, from Fernando Sabino to Nelson Rodrigues, Vinicius sit among them as a chronicler who transmitted to the prose, the same reasons and the same lightness of style that he presented to the public in his poems.

 


Médico de flores
Vinicius de Moraes
Poesia/crônica

MÉDICO DE FLORES


Já poderia — como aquele ingênuo novo-rico que gravou nos seus cartões de visita: Fulano de Tal, ex-passageiro do “Cap Arcona” — mandar colocar nos meus, se os tivesse: V. de M., ex-passageiro do “Caravelle”. Pois a verdade é que acabei de ingressar na era do jacto puro, com um voo de Montevidéu a Buenos Aires. Voo fulminante, pois mal subimos e o piloto já estava resolvendo os problemas da descida. Devido à curta distância (para um jacto) do trajeto, não foi possível tomar a altura ideal de 12 mil metros, onde a serenidade é quase total e a vibração quase nula; mas de qualquer maneira achamos, a Bem-Amada e eu, emocionante voarmos a 7 mil metros, numa velocidade de oitocentos quilômetros horários e a uma temperatura externa de 30° abaixo de zero. E dentro do avião tudo quentinho como deve ser.

No chão, que ainda é melhor, a temperatura está também como deve ser, nesta boa cidade de Buenos Aires. Ainda há pouco, ao andar rodando por aí tudo, lembrei-me de mim mesmo, faz catorze anos, passeando por estas mesmas ruas em companhia de Aníbal Machado e Moacir Werneck de Castro. Éramos mais moços de quase três lustros e estávamos contentes da vida porque tínhamos escapado por milagre do desastre do six-motor francês Lionel de Marmier (num voo entre Rio e B. A.), que conseguiu amarar ninguém sabe como numa lagoa próxima à cidade de Rocha, em pleno pampa uruguaio, depois de ter tido a nacela cortada de alto a baixo por uma das hélices, que se desprendera do motor e entrara avião adentro, numa carnificina que mais vale não lembrar. O tempo do desastre foi de seis minutos: seis terríveis minutos de expectativa da morte. Valha-nos, na era do jacto puro, saber que o indivíduo provavelmente desintegra, em caso de acidente.

Hoje, domingo, 25, fizemos, em companhia do meu mui caro, leal e valoroso amigo Lauro Escorel, secretário de embaixada em B. A., uma grande rodada de automóvel que nos levou para lá do Palermo. A cidade dominical era tranquila, fria e com um céu de névoas. Lembro-me de que, num determinado momento, ao passarmos por uma enorme edificação toda murada, disse-nos o ensaísta de O pensamento político de Maquiavel ser ali o lugar onde são tratadas as águas que abastecem Buenos Aires. Fiquei pensando que, mais ainda que ex-passageiro do Caravelle, gostaria de ter nos meus cartões de visita: V. de M., médico de águas. Assim seria apresentado às pessoas nas festas, em vez de como poeta ou diplomata. E ante a estranheza que lhes causaria o título, eu confirmaria gravemente: “Sim, minha senhora, médico de águas, para servi-la...”

Depois a imaginação se me partiu, e eu fiquei achando que médico de flores seria ainda mais belo. Que linda e honesta profissão a ter! E como eu seria o único no Rio, não chegaria para as encomendas, com uma clientela de fazer inveja a meus amigos os drs. Clementino Fraga Filho, Marcelo Garcia e Ivo Pitanguy, dentro de suas especialidades. Estaria assim muito bem no meu consultório e de repente minha mãe, aflitíssima, telefonaria: “Meu filho, vem depressa que minhas rosas estão morrendo...” E eu partiria com a minha maletinha, para auscultar o coração das rosas, aplicar-lhes a coramina das flores, fazer-lhes transfusão de seiva, reavivar-lhes as cores, a fragrância, a beleza. E mal chegado a casa já haveria recados de milhões de amigas preocupadíssimas com suas azáleas, seus rododendros, seus antúrios. E eu voltaria feliz e diria com orgulho e alegria à Bem-Amada: “Acho que consegui salvar as rosas de minha mãe.” E a Bem-Amada ficaria muito contente e me daria um beijo. E eu daria também consultas a flores pobres, e na rua todas as damas me sorririam com simpatia e respeito, cumprimentando-me com graciosos ademanes. E eu as cumprimentaria de volta, com a circunspecção que deve ter um médico de flores.


Buenos Aires, outubro de 1959

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