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A OUTRA FACE DE LUCINA
Tomei conhecimento da outra face da Lua — “minha velha amiga, a Lua”, como disse Ciro Monteiro num samba inédito que me é dedicado — ao chegar de Buenos Aires. Mirei e remirei a fotografia estampada em El País com um sentimento misto de humildade e assombro. Durante milênios esteve ela oculta, esta outra face da velha amiga, e, de repente, um aparelho fotográfico colocado pela mão do homem num foguete teleguiado fotografa e envia por rádio-ondas para a Terra estes espantosos instantâneos. Espantosos não em si, mas pelo que representam de grandeza do homem diante do Infinito; pelo que têm de maravilhoso no plano da inteligência do homem: esse microcosmo de células e centros nervosos a trabalharem, em seu sangrento excipiente, as fórmulas da conquista do espaço e do equilíbrio da matéria.
Eis que a Ciência, esse sistema exato de conhecimentos, ultrapassa os campos da imaginação... Cuidado, artistas, escritores, poetas, homens que viveis de criar mundos imaginários! Os cientistas, dentro do seu minucioso mundo matemático, invadem também o vosso, e com que grau de beleza! Ao conseguirem fotografar com suas teleobjetivas os campos da ficção pura — essa outra face da Lua oculta desde sempre ao homem pelo equilíbrio mesmo do Universo — agigantam-se sobre os mais altos artífices da imaginação. Realmente penetram o Infinito, na mais prodigiosa viagem de que já houve notícia.
Para mim, devoto que sou da serena e mágica Lucina, a nova revelação possui uma beleza dificilmente superável. Pois não vivi eu também todos esse anos à espera de descobrir a outra face desse ser a um tempo real e distante, misterioso e claro, luminoso e indevassável que se chama Mulher? E não foi preciso que ela descesse à Terra e, sob as aparências do amor, desvendasse só para mim os segredos de sua outra face, oculta desde o início dos tempos?
Montevidéu, maio de 1959