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BALADA FEROZ
A Raimundo Lemos
Canta uma esperança desatinada para que se enfureçam silenciosamente os cadáveres dos afogados
Canta para que grasne sarcasticamente o corvo que tens pousado sobre a tua omoplata atlética
Canta como um louco enquanto os teus pés vão penetrando a massa sequiosa de lesmas
Canta! para esse formoso pássaro azul que ainda uma vez sujaria sobre o teu êxtase.
Arranca do mais fundo a tua pureza e lança-a sobre o corpo felpudo das aranhas
Ri dos touros selvagens, carregando nos chifres virgens nuas para o estupro nas montanhas
Pula sobre o leito cru dos sádicos, dos histéricos, dos masturbados e dança!
Dança para a lua que está escorrendo lentamente pelo ventre das menstruadas.
Lança o teu poema inocente sobre o rio venéreo engolindo as cidades
Sobre os casebres onde os escorpiões se matam à visão dos amores miseráveis
Deita a tua alma sobre a podridão das latrinas e das fossas
Por onde passou a miséria da condição dos escravos e dos gênios.
Dança, ó desvairado! Dança pelos campos aos rinchos dolorosos das éguas parindo
Mergulha a algidez deste lago onde os nenúfares apodrecem e onde a água floresce em miasmas
Fende o fundo viscoso e espreme com tuas fortes mãos a carne flácida das medusas
E com teu sorriso inexcedível surge como um deus amarelo da imunda pomada.
Amarra-te aos pés das garças e solta-as para que te levem
E quando a decomposição dos campos de guerra te ferir as narinas, lança-te sobre a cidade mortuária
Cava a terra por entre as tumefações e se encontrares um velho canhão soterrado, volta
E vem atirar sobre as borboletas cintilando cores que comem as fezes verdes das estradas.
Salta como um fauno puro ou como um sapo de ouro por entre os raios do sol frenético
Faz rugir com o teu calão o eco dos vales e das montanhas
Mija sobre o lugar dos mendigos nas escadarias sórdidas dos templos
E escarra sobre todos os que se proclamarem miseráveis.
Canta! canta demais! Nada há como o amor para matar a vida
Amor que é bem o amor da inocência primeira!
Canta! — o coração da Donzela ficará queimando eternamente a cinza morta
Para o horror dos monges, dos cortesãos, das prostitutas e dos pederastas.
Transforma-te por um segundo num mosquito gigante e passeia de noite sobre as grandes cidades
Espalhando o terror por onde quer que pousem tuas antenas impalpáveis
Suga aos cínicos o cinismo, aos covardes o medo, aos avaros o ouro
E para que apodreçam como porcos, injeta-os de pureza!
E com todo esse pus, faz um poema puro
E deixa-o ir, armado cavaleiro, pela vida
E ri e canta dos que pasmados o abrigarem
E dos que por medo dele te derem em troca a mulher e o pão.
Canta! canta, porque cantar é a missão do poeta
E dança, porque dançar é o destino da pureza
Faz para os cemitérios e para os lares o teu grande gesto obsceno
Carne morta ou carne viva — toma! Agora falo eu que sou um!