Lopes Quintas
Rio de Janeiro , 2004
(A rua onde nasci) A minha rua é longa e silenciosa como um caminho que foge E tem casas baixas que ficam me espiando de noite Quando a minha angústia passa...
Meu pai, dá-me os teus velhos sapatos manchados de terra...
Rio de Janeiro , 2004
Meu pai, dá-me os teus velhos sapatos manchados de terra Dá-me o teu antigo paletó sujo de ventos e de chuvas Dá-me o imemorial chapéu com que cobrias a...
O anjo das pernas tortas
Rio de Janeiro , 1962
A Flávio Porto A um passe de Didi, Garrincha avança Colado o couro aos pés, o olhar atento Dribla um, dribla dois, depois descansa Como a medir o...
O assassino
rio de Janeiro , 1954
Meninas de colégio Apenas acordadas Desuniformizadas Em vossos uniformes Anjos longiformes De faces rosadas E pernas enormes Quem vos acompanha? Quem vos acompanha Colegiais...
O bergantim da aurora
Rio de Janeiro , 1935
Velho, conheces por acaso o bergantim da aurora Nunca o viste passar quando a saudade noturna te leva para o convés imóvel dos rochedos? Há muito tempo ele me lançou sobre...
O cemitério na madrugada
Rio de Janeiro , 1938
Às cinco da manhã a angústia se veste de branco E fica como louca, sentada, espiando o mar... É a hora em que se acende o fogo-fátuo da madrugada Sobre os...
O escândalo da rosa
Rio de Janeiro , 1946
Oh rosa que raivosa Assim carmesim Quem te fez zelosa O carme tão ruim? Que anjo ou que pássaro Roubou tua cor Que ventos passaram ...
O escravo
Rio de Janeiro , 1935
J'ai plus de souvenirs que si j'avais mille ans. Baudelaire A grande Morte que cada um traz em si. Rilke Quando a tarde veio o vento veio e...
O incriado
Rio de Janeiro , 1935
Distantes estão os caminhos que vão para o Tempo — outro luar eu vi passar na altura Nas plagas verdes as mesmas lamentações escuto como vindas da eterna espera O...
O infinito de Leopardi
Rio de Janeiro , 1962
Sempre cara me foi esta colina Erma, e esta sebe, que de tanta parte Do último horizonte, o olhar exclui. Mas sentado a mirar, intermináveis Espaços...
O mágico
Rio de Janeiro , 1938
Diante do mágico a multidão boquiaberta se esquece. Não há mais lugar na Grande Praça: as ruas adjacentes se cobrem de uma negra onda humana. Em todas as casas a...
O nascimento do homem
Rio de Janeiro , 1935
I E uma vez, quando ajoelhados assistíamos à dança nua das auroras Surgiu do céu parado como uma visão de alta serenidade Uma branca mulher de cujo sexo a luz...
O poeta e a lua
rio de Janeiro , 1954
Em meio a um cristal de ecos O poeta vai pela rua Seus olhos verdes de éter Abrem cavernas na lua. A lua volta de flanco Eriçada de luxúria O poeta, aloucado e...
O poeta e a rosa
Rio de Janeiro , 1962
( E com direito a passarinho) Ao ver uma rosa branca O poeta disse: Que linda! Cantarei sua beleza Como ninguém nunca ainda! Qual não é...
O poeta em trânsito ou o filho pródigo
Rio de Janeiro , 2004
Acordarei as aves que, noturnas Por medo à treva calam-se nos galhos E aguardam insones o romper da aurora. Despertarei os bêbados nos pórticos Os...