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O Planalto Deserto

Vinicius de Moraes, Antonio Carlos Jobim

No princípio era o ermo 
Eram antigas solidões sem mágoa. 
O altiplano, o infinito descampado 
No princípio era o agreste: 
O céu azul, a terra vermelho-pungente 
E o verde triste do cerrado. 
Eram antigas solidões banhadas 
De mansos rios inocentes 
Por entre as matas recortadas. 
Não havia ninguém. A solidão 
Mais parecia um povo inexistente 
Dizendo coisas sobre nada. 
Sim, os campos sem alma 
Pareciam falar, e a voz que vinha 
Das grandes extensões, dos fundões crepusculares 
Nem parecia mais ouvir os passos 
Dos velhos bandeirantes, os rudes pioneiros 
Que, em busca de ouro e diamantes, 
Ecoando as quebradas com o tiro de suas armas, 
A tristeza de seus gritos e o tropel 
De sua violência contra o índio, estendiam 
As fronteiras da pátria muito além do limite dos tratados. 
- Fernão Dias, Anhanguera, Borba Gato, 
Vós fostes os heróis das primeiras marchas para o oeste, 
Da conquista do agreste 
E da grande planície ensimesmada! 
Mas passastes. E da confluência 
Das três grandes bacias 
Dos três gigantes milenares: 
Amazonas, São Francisco, Rio da Prata ; 
Do novo teto do mundo, do planalto iluminado 
Partiram também as velhas tribos malferidas 
E as feras aterradas. 
E só ficaram as solidões sem mágoa 
O sem-termo, o infinito descampado 
Onde,    nos campos gerais do fim do dia 
Se ouvia o grito da perdiz 
A que respondia nos estirões de mata à beira dos rios 
O pio melancólico do jaó. 
E vinha a noite. Nas campinas celestes 
Rebrilhavam mais próximas as estrelas 
E o Cruzeiro do Sul resplandecente 
Parecia destinado 
A ser plantado em terra brasileira: 
A Grande Cruz alçada 
Sobre    a noturna mata do cerrado 
Para abençoar o novo bandeirante 
O desbravador ousado 
O ser de conquista 
O Homem!