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Limite, de Mário Peixoto com fotografia de Edgar Brasil

A Manhã , 31 de Julho de1942

Ninguém, dos que foram à pequena reunião de terça-feira na salinha do Serviço de Divulgação da Prefeitura, desconfiava da real força cinematográfica do filme de Mário Peixoto, que no entanto já conta com um passado de 12 anos. Doze anos, na jovem arte do cinema, é um passado.

Ninguém. Vi chegarem as pessoas bem humoradas, mas sem concentração. Não havia zunzum. Orson Welles estava às gargalhadas com seu amigo, o conselheiro La Guarda. Cinco ou seis das pessoas presentes já conheciam o filme, e estas moitavam. Limite é sempre uma surpresa. Já o tinha visto duas vezes e, no entanto, para mim, foi como uma novidade. 

O ambiente da sala esteve liso como uma superfície de lago. Desde as primeiras imagens, uma vez começada a projeção, coloquei-me ao lado de Orson Welles e o assisti ver o filme durante uns 15 minutos. Depois, levantei-me e andei passeando pela sala, sentando junto de um e de outro, na curiosidade de apreciar as reações de pessoas que, sei, vêem cinema diversamente. E senti formar-se lentamente, como ao mergulhar de uma pedra, essa onda sucessiva de círculos concêntricos, alargando o interesse atmosférico do espetáculo. Depois eu próprio me perdi. Limite é um anfiguri que toca os limites da intuição perfeita. Há constantemente a incursão do cinema na sucessão. O ritmo ora é largo, em grandes planejamentos, ora vertiginoso, sem a menor dispersão, com um mínimo de veículo na imagem. A imagem é a grande força presente, em ritmo interior e de sucessão, criando problemas permanentes na imaginação do espectador. Nunca se viu um filme tão carregado (e eu emprego o termo como ele é usado em eletricidade) de meaning, de expressão, de coisas para dizer, sem dizer nada, sem chegar nunca a revelar, deixando sempre tudo no Limite da inteligência com a sensibilidade, da loucura com a lógica, da poesia com a coisa em si. 

Essa, a grande qualidade de Limite como cinema, como superconhecimento. O filme não dá a menor ponte ao espectador. Arrasta-o à aventura da sua compreensão. E que aventura fascinante! Tive o cuidado de convidar dois ou três leigos completos em matéria de cinema, dois ou três legítimos representantes do grande público. Sua reação foi a melhor, Não "entenderam" tudo, me disseram, mas ficaram fundamente perturbados com a capacidade virtual da imagem de falar por si mesma. Garanto como pode-se preparar qualquer público para gostar de Limite. É uma questão de persuasão crítica. Há em todo o mundo de que gostar de boa arte, a questão é mostrá-la como tal.