Crônicas de Cinema
LUZES DA CIDADE (V) (O GÊNIO CÔMICO)
Pouca gente sabe que antes de ser conhecido como “Charlie” — Carlitos, ou o diminutivo correspondente em todos os idiomas — as primeiras plateias gostavam de chamar Chaplin na tela de “Funny Feet”, ou seja, “Pés Engraçados”. A história desse curioso homenzinho que se movia nos filmes de um jeito todo especial, e cuja graça, elegância e agilidade as assistências começaram a adorar, vem de longe... de Londres, de uma família de pantomímicos para cuja troupe errante Chaplin ingressou aos 17 anos. Saltimbanco nato, desde menino ficava ele a estudar, no auge da admiração, as representações mímicas domésticas que sua mãe gostava de fazer. “Foi a observá-la”, diria ele mais tarde, “que eu aprendi não somente a traduzir emoções com as minhas mãos e o meu rosto, como a entender a humanidade. Ela foi o mais impressionante mímico que jamais vi.”
Mas vai ver mesmo, como esta tem atrás de si cálculos infinitos, elucubrações inenarráveis, êxtases contemplativos indizíveis. Chaplin é cômico porque ele é a imagem “em foco” do homem, vista contra o fundo de sua mera projeção social. Ele é cômico porque ele é a plateia — a plateia que se ri de si mesma, de suas emoções recônditas subitamente desvendadas, dos seus exageros, arroubos e velhacarias, do seu “desejo de ser o que é acima de si mesma”, para citar o verso de um poeta que por perfídia prefere ocultar o nome; Luzes da cidade, uma grande súmula da obra de Chaplin, para o estudioso o filme não dispensa as comédias e pantomimas anteriores, dos quais é uma flor extrema. Mas “dá tudo” para quem nunca viu antes o Homenzinho de Chapéu-Coco viver em suas primeiras comédias castas todas as profissões, ao mesmo tempo que aprimorava seu estilo mímico, atravessar depois, nas comédias maiores, uma série de situações mais complexas, nas quais a sociedade se vai pouco a pouco projetando, e finalmente absorver todo o homem dentro da sociedade, e sobretudo o homem diante de si mesmo, nos filmes de longa-metragem posteriores.
Trata-se de um filme perfeito, coroação completa de uma obra, que ninguém deve perder, pois perdê-lo representa realmente uma lacuna numa vida — de vez que a vida se faz melhor quando vemos Luzes da cidade.
P.S. Ao Distribuidor e ao Exibidor — Por que não deixar o filme em cartaz por mais uma semana, já que está tendo ótimas casas? E por que não lhe dar maior publicidade nos jornais?
Última Hora, 8 de dezembro de 1951