Vinicius de Moraes

Não, não te verei outra vez, embora não sejas ruim de todo. Mas ficas num meio-termo morno, e nada deixas ao espectador senão uma vaga melancolia tipo Natal. Não te verei outra vez porque tinhas obrigação de ser muito melhor, trazendo como trazias a assinatura do diretor William Dieterle, e um bom ator como Joseph Cotten, sem falar neste amor de Ginger Rogers. Mas a principal razão pela qual não irei ver-te outra vez é porque enfeiaste Ginger Rogers, e isso eu não te posso perdoar. Posso perdoar tudo, até aquele ataque de nervos de Joseph Cotten no quarto, quando procuraste inutilmente fazer cinema. Mas teres enfeiado a minha querida Ginger Rogers, que eu venho, eu e todo o mundo, namorando desde os tempos em que ela apareceu nas primeiras fitas com Fred Astaire, isso eu achei demais. Não se faz uma coisa dessas impunemente com uma namorada do mundo. Depois, deixar a menina tão triste e tão mal à vontade naquele papel nada feito para ela, isso também é uma razão a mais para não te ver outra vez. Ginger não foi feita para aquele ambiente. Ginger é uma flor de dança, nasceu para voejar, sapatear e rodar nos braços de Fred Astaire. Ginger nasceu para se enlanguescer ao som de melodias de Gershwin, para fazer olhares-de-varanda-ao-luar, para estar assim muito bem tomando um chá elegante, em tête-à-tête, e de repente uma valsa se insinua, e ela dobra a linda cabeça para o lado, deixando cair os pesados cabelos ruivos sobre o ombro, e sai num passo alígero, de corpo, alma e coração sofisticados, dançando para as multidões embevecidas ante tanta graça. 

Não, não te verei outra vez. Não quer dizer que não sejas passável, mas Dieterle já fez muito melhor, é só se lembrar de O homem que vendeu a alma, e tanto Orson Welles como Hitchcock já dirigiram Joseph Cotten com outra mestria, como em Cidadão Kane, Soberba ou Sombra de uma dúvida, deste último. Depois, faz também aflição ver Shirley Temple tão grande com a mesma cara com que apareceu quando ainda andava nas fraldas. Dá uma impressão horrível que o tempo está andando depressa demais. 

Depois, estás também um pouco demais cheio de boas intenções, o que te dá um certo jeito alvar. Boas intenções têm que ser dosadas com melhor arte. Não, não te verei outra vez, embora valhas uma visita, uma única visita.