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Sansão Mature e Dalila Lamarr

Última Hora , 13 of Junio of 1951

Um dia, há anos, Orson Welles fez uma palestra sobre Hollywood, no Instituto Brasil-Estados Unidos. Eu guardo dessa reunião duas impressões inesquecíveis: uma é de ter apresentado o Cidadão Kane a Joana d'Arc - então de passagem no Rio sob o invólucro de mme. Falconetti, sua imorredoura intérprete no filme de Carl Dreyer; a outra a de ouvir Orson Welles falar de Cecil B. de Mille, megalômano diretor de tantos filmes de fundo sacro-ilíaco, entre os quais uma coisa atualmente em cartaz, chamada Sansão e Dalila. 

Orson Welles estava em plena forma com seu grande talento histriônico; em largos gestos e excelente mímica, mostrou ele à assistência como é que Cecil B. de Mille faz quando dirige um filme. Seus assistentes, colocados nos lugares preestabelecidos à retaguarda, acompanhavam-no passo a passo em todas as evoluções no palco de filmagem, e com a maior reverência. Qualquer desobediência do método, e o infeliz é esmagado pela ira bíblica do criador dos banhos cinematográficos. É inútil dizer com que graça Orson Welles desenvolveu a história. O importante é que no fim da peroração, ele fez uma pausa, adoçou a voz e enunciou em tom medido: "O fantástico é que esse mesmo homem, esse pequeno rei de Hollywood, que tem tudo a sua disposição, nunca em sua vida fotografou um pé de filme que valesse absolutamente nada." 

Fala-se muito no espetáculo demilliano, e de como ele conquistou o grande público com os seus monumentais cenários. Eu tenho para mim que o grande público não é tão idiota quanto se pensa e que um dia será feita em Hollywood mesmo uma enorme fogueira das toneladas de celulóide gastas por Cecil de Mille - uma de se ver o reflexo no mundo inteiro. 

Sansão e Dalila conta a história dos ditos em tecnicolor, como se suponha tenha acontecido. Heddy Lamarr está de sarong bíblico, e mostra bastante seus encantos balzaquianos, enquanto Mature faz força para encolher a barriga e dar a impressão de que é leve. Mas está um elefante de gordo. Ele luta com um leão, atira dardos, e liquida um exército com uma caveira de burro. Tenho que seria muito mais interessante se usasse a sua própria queixada. 

De Mille deu cuidados especiais à cena final, quando o templo rui. Engraçado: o templo rui - não soa esquisito? Rui... rui, ou rói? O templo rói... Não: acho que é rui mesmo. Enfim, rui ou rói, aquela joça toda vem abaixo ante a pressão do "bíceps" de Victor Mature. Levanta uma poeirada danada. Ô fitinha besta!