Sacrifício da Aurora
rio de Janeiro , 1954
Um dia a aurora chegou-se Ao meu quarto de marfim E com seu riso mais doce Deitou-se junto de mim Beijei-lhe a boca orvalhada E a carne tímida e exangue A carne não tinha sangue...
Salta como um fauno puro ou um sapo...
Rio de Janeiro , 2004
Salta como um fauno puro ou um sapo miraculoso por entre os raios do sol frenético Distribuindo alegres e bem-soantes palavrões para protestantes e católicos Urina...
Santa Maria tem terras...
Rio de Janeiro , 2004
Santa Maria tem terras Como outras iguais não há Tem pastagens, tem florestas Onde canta o sabiá Deus permita que, voltando Muito mais tempo...
São Francisco
Rio de Janeiro , 1970
Lá vai São Francisco Pelo caminho De pé descalço Tão pobrezinho Dormindo à noite Junto ao moinho Bebendo a...
Saudade de Manuel Bandeira
Rio de Janeiro , 1946
Não foste apenas um segredo De poesia e de emoção Foste uma estrela em meu degredo Poeta, pai! áspero irmão. Não me...
Senhor, eu não sou digno
Rio de Janeiro , 1933
Para que cantarei nas montanhas sem eco As minhas louvações? A tristeza de não poder atingir o infinito Embargará de lágrimas a minha voz. Para que entoarei o...
Sinto-me só como um seixo de praia
Rio de Janeiro , 2004
Sinto-me só como um seixo de praia Vivendo à busca no cristal das ondas, Não sei se sou o que não sou. Pressinto Que a maré vai morar no fundo...
Solidão
Rio de Janeiro , 1933
Desesperança das desesperanças... Última e triste luz de uma alma em treva... — A vida é um sonho vão que a vida leva Cheio de dores tristemente mansas. ...
Solilóquio
Rio de Janeiro , 1938
Talvez os imensos limites da pátria me lembrem os puros E amargue em meu coração a descrença. Sinto-me tão cansado de sofrer, tão cansado! — algum dia,...
Sombra e luz
Rio de Janeiro , 1946
I Dança Deus! Sacudindo o mundo Desfigurando estrelas Afogando o mundo Na cinza dos céus Sapateia, Deus Negro na noite Semeando...
Sonata do amor perdido
Rio de Janeiro , 1938
Lamento nº 1 Onde estão os teus olhos — onde estão? — Oh — milagre de amor que escorres dos meus olhos! Na água iluminada dos rios da lua eu os vi...
Soneto a Katherine Mansfield
Rio de Janeiro , 1938
O teu perfume, amada — em tuas cartas Renasce, azul... — são tuas mãos sentidas! Relembro-as brancas, leves, fenecidas Pendendo ao longo de corolas fartas. ...
Soneto a Lasar Segall
Rio de Janeiro , 1957
De inescrutavelmente no que pintas Como num amplo espaço de agonias Imarcescível música de tintas A arder na lucidez das coisas frias: Tão patéticas sois,...
Soneto à lua
Rio de Janeiro , 1938
Por que tens, por que tens olhos escuros E mãos lânguidas, loucas e sem fim Quem és, quem és tu, não eu, e estás em mim Impuro, como o bem que está...
Soneto a Octávio de Faria
Oxford , 1939
Não te vira cantar sem voz, chorar Sem lágrimas, e lágrimas e estrelas Desencantar, e mudo recolhê-las Para lançá-las fulgurando ao...