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Princípio

Rio de Janeiro , 1938

Na praia sangrenta a gelatina verde das algas — horizontes!
Os olhos do afogado à tona e o sexo no fundo (a contemplação na desagregação da forma...)
O mar... A música que sobe ao espírito, a poesia do mar, a cantata soturna dos três movimentos
O mar! (Não a superfície calma, mas o abismo povoado de peixes fantásticos e sábios...)

É o navio grego, é o navio grego desaparecido nas floras submarinas — Deus balança por um fio invisível a ossada do timoneiro sob o grande mastro
São as medusas, são as medusas dançando a dança erótica dos mucos vermelhos se abrindo ao beijo das águas
É a carne que o amor não mais ilumina, é o rito que o fervor não mais acende
É o amor um molusco gigantesco vagando pela revelação das luzes árticas.

O que se encontrará no abismo mesmo de sabedoria e de compreensão infinita
Ó pobre narciso nu que te deixaste ficar sobre a certeza de tua plenitude?
Nos peixes que da própria substância acendem o espesso líquido que vão atravessando
Terás conhecido a verdadeira luz da miséria humana que quer se ultrapassar.

É preciso morrer, a face repousada contra a água como um grande nenúfar partido
Na espera da decomposição que virá para os olhos cegos de tanta serenidade
Na visão do amor que estenderá as suas antenas altas e fosforescentes
Todo o teu corpo há de deliquescer e mergulhar como um destroço ao apelo do fundo.

Será a viagem e a destinação. Há correntes que te levarão insensivelmente e sem dor para cavernas de coral
Lá conhecerás os segredos da vida misteriosa dos peixes eternos
Verás crescerem olhos ardentes do volume glauco que te incendiarão de pureza
E assistirás a seres distantes que se fecundam à simples emoção do amor.

Encontrar, eis o destino. Aves brancas que desceis aos lagos e fugis! Oh, a covardia das vossas asas!
É preciso ir e se perder no elemento de onde surge a vida.
Mais vale a árvore da fonte que a árvore do rio plantada segundo a corrente e que dá seus frutos a seu tempo...
Deixai morrer o desespero nas sombras da ideia de que o amor pode não vir.

Na praia sangrenta a velha embarcação negra e desfeita — o mar a lançou talvez na tempestade!
Eu — e casebres de pescadores eternamente ausentes...
O mar! o vento tangendo as águas e cantando, cantando, cantando
Na praia sangrenta entre brancas espumas e horizontes...

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