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Poema na morte de meu compadre Carlos Echenique

Rio de Janeiro , 2004

Compadre 
Você morreu 
Você morreu de sua morte simples e dolorosa 
Sonda na barriga 
(Minha comadre que me perdoe de lembrar essas coisas) 
Vômitos, e mais sonda na bexiga 
E mais sonda barriga e mais vômitos 
De vez em quando uma voltinha até o Veloso 
Para tomar umas e outras. 
Meu compadre querido, companheiro de tantas angústias 
Dois ou três dois depois de você Hemingway morreu 
Hemingway que gostava de touradas 
Que gostava de caçar leões na África 
Que gostava de tudo o que um homem que não é homem não gosta. 
Meu compadrinho, você que foi tão macho diante da morte 
Você que morreu de seu diabetes feito um homem que morre 
Meu compadre 
Que diferença entre a sua morte e a morte de Hemingway 
Hemingway que sempre quis ser o bacano 
Que gostava de ver homens matar touros 
(E que isto que eu estou dizendo sirva de qualquer coisa para meu amigo 
João Cabral de Melo) 
Hemingway que não tinha medo de avião e gostava de matar bichos na África 
E você no entanto, meu compadre Carlos Echenique 
Uma semana antes da sua morte 
Andou providenciando para a Iracema 
Minha querida Iracema, flor negra do meu Brasil 
Minha outrora empregada, atualmente empregada de Rubem Braga 
Iracema que queria tanto um salão para alisar o cabelo de crioula 
De cabelo de crioula feito o seu, minha boa Iracema 
Minha irmãzinha de cor, de cor muito mais bonita que a de Hemingway 
Iracema, crioula do Brasil, figura mais anti-Hemingway que o meu próprio compadre Carlos Echenique 
Que morreu de seu diabetes, e na hora que deram oxigênio para ele 
Disse ai que arzinho tão bom, e cuja morte tão direita 
Não tern nada a ver com a morte bacana de Hemingway, muito pelo contrário 
Cuja morte tem a ver com meu amigo Jayme Ovalle, na fotografia tirada por meus primos os irmãos Franceschi 
E com a canção de João Gilberto, e o violão de Baden Powell, e a tristeza de Antonio Carlos Jobim 
E o sacrificio de santa Luzia que tinha olhos tão lindos que os sacrificou à luxúria dos homens numa pequena salva de estanho.