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Feijoada à minha moda

Rio de Janeiro , 1962

Amiga Helena Sangirardi 
Conforme um dia eu prometi 
Onde, confesso que esqueci 
E embora - perdoe - tão tarde 

(Melhor do que nunca!) este poeta 
Segundo manda a boa ética 
Envia-lhe a receita (poética) 
De sua feijoada completa. 

Em atenção ao adiantado 
Da hora em que abrimos o olho 
O feijão deve, já catado 
Nos esperar, feliz, de molho. 

E a cozinheira, por respeito 
À nossa mestria na arte 
Já deve ter tacado peito 
E preparado e posto à parte 

Os elementos componentes 
De um saboroso refogado 
Tais: cebolas, tomates, dentes 
De alho - e o que mais for azado 

Tudo picado desde cedo 
De feição a sempre evitar 
Qualquer contato mais... vulgar 
Às nossas nobres mãos de aedo 

Enquanto nós, a dar uns toques 
No que não nos seja a contento 
Vigiaremos o cozimento 
Tomando o nosso uísque on the rocks. 

Uma vez cozido o feijão 
(Umas quatro horas, fogo médio) 
Nós, bocejando o nosso tédio 
Nos chegaremos ao fogão 

E em elegante curvatura: 
Um pé adiante e o braço às costas 
Provaremos a rica negrura 
Por onde devem boiar postas 

De carne-seca suculenta 
Gordos paios, nédio toucinho 
(Nunca orelhas de bacorinho 
Que a tornam em excesso opulenta!) 

E - atenção! - segredo modesto 
Mas meu, no tocante à feijoada: 
Uma língua fresca pelada 
Posta a cozer com todo o resto. 

Feito o quê, retire-se caroço 
Bastante, que bem amassado 
Junta-se ao belo refogado 
De modo a ter-se um molho grosso 

Que vai de volta ao caldeirão 
No qual o poeta, em bom agouro 
Deve esparzir folhas de louro 
Com um gesto clássico e pagão. 

Inútil dizer que, entrementes 
Em chama à parte desta liça 
Devem fritar, todas contentes 
Lindas rodelas de lingüiça 

Enquanto ao lado, em fogo brando 
Desmilingüindo-se de gozo 
Deve também se estar fritando 
O torresminho delicioso 

Em cuja gordura, de resto 
(Melhor gordura nunca houve!) 
Deve depois frigir a couve 
Picada, em fogo alegre e presto. 

Uma farofa? - tem seus dias... 
Porém que seja na manteiga! 
A laranja gelada, em fatias 
(Seleta ou da Bahia) - e chega. 

Só na última cozedura 
Para levar à mesa, deixa-se 
Cair um pouco da gordura 
Da lingüiça na iguaria - e mexa-se. 

Que prazer mais um corpo pede 
Após comido um tal feijão? 
- Evidentemente uma rede 
E um gato para passar a mão... 

Dever cumprido. Nunca é vã 
A palavra de um poeta... - jamais! 
Abraça-a, em Brillat-Savarin 
O seu Vinicius de Moraes.