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Antiode à tristeza

Montevidéu , 1962

Ó enfermeira sem som do olhar sem cor 
Que refletida ao último infinito 
Pela lúcida insânia dos espelhos 
Passeias pelo imenso corredor 
Desta antiga Irmandade! Ó sonolenta 
Irmã-sem-Caridade, que vagueias 
Com tuas leves sandálias de silêncio 
Cuidando com desvelo da saudade 
E dos males de amor de cada enfermo! 
Ó guardiã do ermo, provedora 
De langor, que pelo imenso corredor 
Deste hospital sem termo, te comprazes 
Em deitar éter sobre o sofrimento 
Dos que querem viver, e dar morfina 
Aos que morrem de amor! Ó freira louca 
Irmã-sem-Fé, a desfiar, ausente 
Teu rosário sem fim de contas ocas! 
Ó trânsfuga da vida, esmaecida 
Monja: o que queres mais de mim? 
Já não te dei meus dias, minhas noites 
E até minhas auroras, não te dei? 
Já te mandei embora? Não fui sempre 
Teu melhor paciente, e o mais antigo? 
Não fui amigo teu, mesmo doente 
De ti, não fui, Madre desoladora? 
Pois agora te digo: vai-te embora! 
Afasta-te de mim! não mais te quero 
Irmã-sem-Esperança, confessora 
Sem perdão, de quem mais nada espero 
Senão vazio e angústia. Irmã-sem-Dor 
Com teu rosário e teu burel de cinzas 
A empoeirar de tédio as minhas horas. 
Vai predicar além, predicadora 
Da voz ausente, vai! que se me voltas 
Eu grito nomes feios, eu te espanco 
Ou te enforco em teu terço de mil voltas 
Ou caio na risada, ou te exorcizo 
Com um gigantesco crucifixo branco 
Onde, transverberando luz do flanco 
Resplende o corpo nu da minha amada!