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A XIII Mostra Internacional de Arte Cinematográfica de Veneza (Figueroa, mestre do cinema mexicano...)

Última Hora , 26 de Setembro de1952

Figueroa, mestre do cinema mexicano, filmará no Brasil - Silvana Mangano agitou o ambiente com sua presença - a respeitosa, de Sartre, transformada numa classe "b" de Hollywood - a parada foi entre René Clement, Jean Ford, René Clair e Rossellini - os biquinis são tão biquinininhos que quase só se vê mulher. 

Lido de Veneza, setembro - via aérea: A sensacional Silvana Mangano também agitou com sua presença estas praias, acompanhada de seu marido, o produtor De Laurentis. Fez correr que vai largar o cinema, mas não se pode saber se seus fãs internacionais, que não a esquecem desde o seu famoso boogiewoogie de Arroz amargo, permitirão um tão leviano procedimento. Em verdade vos digo que muito bem representada está a Itália neste certame cinematográfico, pelo lado feminino. Quanto à parte masculina, esteve aqui o diretor-ator Marcello Paglicro, de renome pelo seu papel em Roma, cidade aberta onde representa o Revolucionário. Pagliero é também diretor da versão cinematográfica da peça de Jean Paul Sartre, A respeitosa, que vi aqui e, apesar da imperfeição da feitura - Sartre transformado num Classe "B" de Hollywood, atores medíocres, afrouxamento geral dos parafusos da peça - guarda a pungência do assunto em alguns trechos. A cena do velório do negro assassinado é positivamente bela, mas Paglicro, incapaz de contenção dramática, não soube barrar com a sua direção certos lugares-comuns sofisticados e certas facilidades malabarísticas inerentes a tudo o que Sartre faz. Tive ocasião de ver a peça representada em Los Angeles por atores americanos, e a veracidade aumenta com a colocação do drama em seu verdadeiro local. Não que isso constitua uma verdade absoluta, em teatro ou cinema; mas o fato é que com A respeitosa isso acontece.
 
Quem esteve também no Festival foi a bela Ludmila Tcherina, a atriz-bailarina dos Contos de Hoffmann, considerada uma das mulheres mais lindas do mundo. É de vê-Ia em seu biquíni, na praia do Excelsior. Os biquínis aqui são tão biquinininhos que quase só se vê mulher. Há uma pintora romana no Lido que, para usar de um velho ditado, está crente que pode tapar o sol com a peneira. A menina - fruto perfeito de cultivo artificial - anda pelos salões do Excelsior com (se me perdoam a expressão) uma simples meia-máscara no posterior. Tem um ar de rogada, e transporta seu lindo meio metro de mulher nua com uma desenvoltura que, palavra, consegue não chamar a atenção por mais de duas horas. Ninguém sabe direito o que a pintorazinha andou fazendo por aqui, porque a verdade é que ninguém até agora a viu de pincel na mão. Mas boa coisa não deve ser, pois seu abatimento não fez senão aumentar até o dia em que partiu. 
Figueroa vem ao Brasil - Richard Todd compareceu. Um rapagão simpático, com uma expressão triste. Louis Jourdan também, bonito demais, com um ar parado e uma cara que parece sempre de perfil. E também Paul Henreid, que ainda está um velhote bem apanhado para quem se interessa. Eu preferiria, apesar de já mais pra lá que pra cá, a Joan Fontaine, caso não se tratasse de uma das maiores enjoadas da cinematografia. Até Claudette Colbert, que não é mais nenhum broto de Copacabana, fica viva e simpática perto da outrora adorável Rebecca. O que eu sei é que, apesar de beirando os cinqüenta, Claudette Colbert ainda faz sensação. E é mulher de gosto para se vestir. Na noite da exibição de Europa 51, de Rossellini, compareceu com um vestido que faria a delícia dos nossos Castigliones. A jovem violinista de pérgola que Chavelier um dia descobriu tem uma incontestável popularidade na Itália. Talvez mais até que seu próprio descobridor, o qual, no Cassino ao lado, andou fazendo uns poucos shows com sucesso apenas mediano. 

Encontrei desta vez por aqui alguns velhos conhecidos meus. O ator Edd Alberts, com uma barbicha necessária no filme que está fazendo em Roma com Gregory Peck, sob a direção de William Wyler; Orson Welles, que me disse que nada tinha a ver com o Festival e em três dias arranjou umas cinco namoradinhas esplêndidas, e Gabriel Figueroa, o grande cinegrafista mexicano, com que fiz grande cupinchagem, no México, e que me anunciou ir fazer em futuro remoto um filme aí no Brasil. A equipe mexicana, aliás, foi muito bem cuidada para Veneza. Aqui estiveram: a famosa e simpática dupla Emilio Fernandez e Gabriel Figueroa, o diretor Roberto Gavaldon que apresentou seu filme Soledad, e o ator Arturo de Cordova. Mas o filme de Gavaldon com fotografia de Figueroa não correspondeu à grande publicidade que se fez em torno dele. Apesar de animado dos melhores sentimentos, o filme perde-se com mais uma interpretação exagerada desse rei dos canastrões que é Pedro Armendariz e com um roteiro deficiente, cheio de literatices na parte do diálogo: - ("A mulher não deve ser ofendida porque a mulher é como a terra; quem ofende a mulher ofende a terra... etc.") - coisas enfim que só a Bíblia pode dizer impunemente e olhe lá. Quem melhorou bastante com a troca de Hollywood pelo México foi Arturo de Cordova, que era péssimo, quando dos seus tempos de Beverly Hills, e que se apresenta agora num papel esforçado. Mas, meus amigos mexicanos precisam ficar de olho na sua produção que está baixando de nível. Os tópicos mais interessantes com que lidavam começam a parecer clichés, de tão repetidos. Seu conceito do "machismo", que gostam tanto de frisar, cai na vulgaridade, e o tipo de mulher-que-é-a-terra-e-a-terra-é-a-mulher está francamente arqueológico. Eisenstein viu a coisa muito bem no belo e criminosamente mutilado filme que fez sobre o México. Fernandez e Figueroa ajuntaram alguns elementos plásticos interessantes a essa caracterização de seu fabuloso povo. Mas chega. A linha do cinema mexicano, parece-me, deveria se voltar muito mais agora para Luiz Buñuel, o grande diretor espanhol que ali está trabalhando e que, através de uma direção mais orgânica, como em Los olvidados, conseguiu limpar a fotografia de Figueroa do abuso de filtros, da plasticidade estática e do sentimento exagerado de composição que ameaçam academizar o trabalho do notável cameraman. 

Os Melhores - A parada do Festival foi, como era de esperar, entre René Clement, John Ford, René Clair e Rossellini. O júri acabou dando ao francês René Clement, pelo seu excelente Jeux interdits, o Primeiro Grande Prêmio, o Leão de Ouro de São Marcos (um quito de ouro - valor aproximado sessenta contos). Mas o melhor filme de Veneza foi Les Belles de nuit, de René Clair. Enfim, para contentar a ambos, o júri resolveu considerar o filme de Clair fora de competição de modo a que o Festival pudesse prestar uma homenagem pública ao grande diretor francês - o que foi feito. Assim é que René Clement papou o primeiro prêmio. Aliás justo, pois Jeux interdits é de fato um lindo filme. 

Os outros três Grandes Prêmios Leão de Prata foram dados respectivamente a John Ford, pelo seu The Quiet Man; Kenji Mizoguchi, diretor japonês, pelo filme O'Haru, mulher galante, e Roberto Rossellini, por Europa 51. 

O filme japonês, a não ser por Figueroa, que me disse o haver detestado, foi considerado uma bela obra cinematográfica. O grande poeta italiano, Giuseppe Ungaretti, que fazia parte do júri, contou-me ao seu modo apocalíptico que a tessitura cinematográfica lhe parecera de uma estranha beleza, e que O'Haru era muito mais puramente original que seu famoso irmão Rasho-Mon. A figura da musmé do filme é traçada com uma minúcia e cuidado que lembram as linhas da antiga pintura japonesa. O Japão, não resta dúvida, está entrando forte nos Festivais Internacionais de Cinema, com filmes de prestígio.