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A malquerida

Última Hora , 17 de Novembro de1951

O consórcio Emilio Fernandez-Gabriel Figueroa deve andar em franca lua-de-mel. Esse casamento, cujos proclamas correram em todas as línguas, teve uma grande fase inicial, produzindo alguns rebentos que, se não davam para ganhar primeiros prêmios em concursos de robustez cinematográfica, podiam ser também considerados dos mais lindos entre os participantes. Assim foi com A pérola e com Enamorada. Depois Figueroa andou passando Fernandez para trás com o diretor americano John Ford, nascendo dessa vigarice um filme de teor místico chamado O fugitivo, que de todo não satisfez o talentoso discípulo mexicano do maior cameraman já produzido por Hollywood - o falecido Gregg Toland. Não se trata de nenhum palpite meu pois eu o soube de boca própria - e aí está meu amigo Di Cavalcanti para testemunhá-lo que se achava presente ao bate-papo, que tive, no México, com o simpático cinegrafista.
 
Eu, para princípio de conversa, não sou cem por cento favorável ao gênero de cinema produzido pelos dois cineastas. Em primeiro lugar porque ambos sofrem, sobretudo Figueroa, por demais a influência de Eisenstein - verdadeiro descobridor plástico este, do cinema mexicano, através de seu grande e criminosamente mutilado filme Que viva México!. A influência de Eisenstein - coisa que acontece com muitos gênios - não é das mais fáceis para o influenciado, de vez que a ciência técnica desse gigante do cinema e minuciosa pesquisa no terreno das artes em geral, e a sua forma [são] uma descoberta absolutamente própria. De modo que, ao ver um filme de Fernandez-Figueroa está a gente a pensar de vez em quando: "Isto aqui é Eisenstein...". E curioso é que essa influência não foi bem absorvida num ponto capital para o cinema: a sua dinâmica. O filme de arte deve mover-se, e no caso do binômio mexicano ele nem sempre se move.
 
Mas desta feita o consórcio foi à forra [com] A malquerida, ao contrário da produção corrente que apenas enche as medidas. Baseado no grande clássico mexicano de don Jacinto Benevente foi, o filme, fecundado com amor - e se o seu único defeito ainda é esse estaticismo, essa lentidão cinematográfica, esse mutismo pétreo das imagens - que não deixam de ser um pouco uma imagem do mutismo pétreo do próprio México -; por outro lado tem ele a sustentá-lo uma direção invulgarmente orgânica da parte do Emilio Fernandez e a fotografia fabulosamente bela e bem composta de Gabriel Figueroa.
 
A tragédia que constitui a trama possui uma grande força original que lembra a tragédia grega. Nela as paixões estão sempre presentes, a encher o mundo [e as] criaturas de dor e de sombras.
 
Um excelente filme, que eu aconselho a todos não percam nesses últimos dias. Os três atores principais estão otimamente bem dirigidos - e olhem que eu acho Pedro Armendariz, posto que um grande tipo, um grandissíssimo fiteiro. Dolores del Rio, já com muito pé-de-galinha no canto dos olhos, continua no entanto tão impressionantemente bela que não há palavras para descrever-lhe o rosto maravilhoso. Trata-se fora de qualquer dúvida de uma das coisas mais lindas sob o sol essa mexicana que preferiu lutar no México pelo cinema de sua pátria a vender-se às facilidades comerciais de Hollywood.
 
Gostaria de falar mais do filme - e tenham os seus distribuidores e exibidores o bom gosto de conservá-lo em cartaz por mais uma semana, e eu prometo fazer dele uma grande publicidade gratuita. Pois o filme é bom, e não há nada que eu queira mais do que bons filmes para criticar.