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Credo e alarme

A Manhã , 1 de Agosto de1941

Creio no Cinema, arte muda, filha da Imagem, elemento original de poesia e plástica infinitas, célula simples de duração efêmera e livremente multiplicável. Creio no Cinema, meio de expressão total em seu poder transmissor e sua capacidade de emoção, possuidor de uma forma própria que lhe é imanente e que, contendo todas as outras, nada lhes deve. Creio no Cinema puro, branco e preto, linguagem universal de alto valor sugestivo, rico na liberalidade e poder de evocação. 

Creio nesse Cinema. Em qualquer outro, o que transige com o som, a palavra, a cor, não posso e não quero crer. Aos que me chamam de atrasado e intransigente direi que prefiro o meu atraso e intransigência à frivolidade com que acomodam as formas corruptas da vida e da arte. Aos que me acusarem de deslealdade para comigo mesmo por aceitar a responsabilidade de uma crítica de Cinema como hoje é feito - deturpado do seu melhor sentido pela mercantilização crescente - direi que ainda me resta uma esperança cega de vê-lo volver à origem, à Imagem em simples continuidade, ao jogo pródigo de sombras e claridades, ao ritmo interior, à Poesia que o fecunda, à Música que o envolve, à Pintura que o delimita, à Arquitetura que o constrói, à Palavra que o comenta, e que milagrosamente se ausentam para deixar vivo o que de exato se chama Cinema. 

Nesse Cinema creio, só ele me satisfaz e só ele me parece conter em si de que acrescentar ao conhecimento. E creio em Chaplin, seu criador máximo, que com ele se confunde, identificação real do homem e do cineasta, grande exemplo de sinceridade humana e lealdade artística. 

Chaplin é o Cinema: cenário, direção, ação, montagem. Não há dilemas. 



Apresentando esta seção, não queria deixar em nenhum leitor uma impressão de incompatibilidade. Sou um apaixonado de Cinema. Só Deus sabe como gosto de uma boa fita, o prazer que me traz "ver Cinema", discutir, ponderar, escrever, até fazer Cinema na Imaginação. Acho mesmo que só a Música traz-me uma tão grande sensação de plenitude e gratidão. Não vou aqui me gabar - mas vi Luzes da cidade mais de vinte vezes. Aliás não seja por isso porque Otávio de Faria viu mais de trinta. 

Assim é que irei dizer a verdade. Quisera também criar uma atmosfera propícia ao Cinema, ajudar no que fosse possível e que por isso ninguém me levasse a mal. Mesmo porque, se levar, tanto pior.