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Cinema (I)

A Manhã , 1 de Agosto de1941

Houve tempo em que King Vidor queria dizer tudo para nós, os intransigentes em cinema. A notícia de um filme seu representava uma certeza. Criava-se um processo de preparação, um estado de espírito, uma disponibilidade para a obra que se ia assistir. Discutia-se tempos antes, comparava-se o grande cineasta aos poucos que se poderiam medir com ele. Vê-lo era uma real alegria, uma sensação de desafogo. Aparecia produção nova sua, como aparecia romance novo de Lawrence ou poema novo do Manuel Bandeira. Vinham à tona coisas do passado. Falava-se de Big Parade como num amigo próximo. Hoje, esse filme nos deixa tristes com a evocação de seus mortos. John Gilbert, Renée Adoréc, o pobre Karl Dane, que nele teve a sua melhor oportunidade, e o seu notável realizador. 

Era o tempo da Turba, de Aleluia, depois de No turbilhão da metrópole. Mesmo os cochilos, como o O campeão, Ave do Paraíso, eram perdoados ao King Vidor de O pão nosso de cada dia, o King Vidor que podia errar mas era incapaz de traição dentro do falado. 

Morto, dizia eu. O homem que assassinou O inimigo, em exibição da Metro, não é o mesmo que criou A turba. Recuso-me a aceitar qualquer semelhança entre ambos: o da Turba era um cineasta completo, havia atingido uma altitude cinematográfica irrespirável mesmo para homens como um Dupont ou um Murnau. 

De modo que não há dúvida: King Vidor morreu. Quem pactuou com a Metro Goldwyn Mayer, essa fábrica de fazer palhaços, quem autorizou a sua assinatura em tal pachochada, quem se permitiu concessões dessa espécie, morreu como artista. O artista não pode, não tem direito de trair, mesmo que o sucesso, a fortuna, a fama seduzam o homem. 

King Vidor tinha sucesso, tinha fortuna, tinha nome. No entanto, teve o Inimigo X. 

Ora, isso não é possível. Logo, King Vidor morreu. Não percam tempo em ir ver essa comédia ridícula e insultuosa. Não foi King Vidor quem a fez, foi a firma Goldwyn Mayer. 

Big business, you know!... Cotação?