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Cinema brasileiro

A Cigarra , 1 de Agosto de1953

Embora industrialmente atrasado de muitos anos, devido ao complexo nacional (complexo industrialmente negativo, mas que de um ponto de vista exclusivamente brasileiro me parece, por muitos lados, positivo), o cinema nacional, a meu ver, não nasceu com Cavalcanti, Lima Barreto ou quem quer que seja. Ele teve a sua evolução normal, retrógrada sob muitos aspectos, mas definitivamente orgânica. É preciso não esquecer que o Brasil é um país muito caracterizado e a formação da nacionalidade brasileira obedeceu a leis muito mais aparentadas com as que formaram a China, a Índia, a Itália, o México, a Espanha ou Portugal do que as que formaram a Inglaterra, a França, os Estados Unidos da América, a Argentina, a União Soviética ou o Japão. O Brasil é, antes de mais nada, o seu povo. E um povo, como no caso do Brasil, é formado antes dos seus caracteres positivos indissoluvelmente ligados aos negativos, que simplesmente dos seus caracteres formalmente positivos. 
Por isso me parece que o surto cinematográfico nacional, embora tardio, não chega atrasado, do ponto de vista brasileiro. Melhor assim do que apresentando contrafações, descaracterizações, valores neutros. 

O cinema brasileiro vem de longe: Ademar Gonzaga, Humberto Mauro, Carmen Santos, Paulo Vanderley, Raul Roulien, e mesmo os pioneiros de distribuição e exibição como Pascoal Segreto, Francisco Serrador e outros, estão definitivamente ligados a ele. O anedotário "negativo" do cinema nacional redunda, à la longue, num elemento positivo. Não houve perda de caráter. É qualquer coisa assim como o fox-trot brasileiro, que é tão ou mais brasileiro do que o samba.
 
Encarando o problema industrialmente, não [há] como não apreciar, e muito, um fenômeno como a vinda de Cavalcanti para o Brasil: sobretudo se se considerar que todo o exílio só fez tornar Cavalcanti mais brasileiro ainda. Seu esforço criou muitas condições favoráveis ao grande rush atual e o desenvolvimento dos modernos estúdios, como a Vera Cruz, a Kino, a Multifilmes, a Atlântida e a Flama - em sua nova fase de produção. Mas tenho que as próprias dificuldades com que Cavalcanti teve de lutar, o grande e gratuito espírito de porco nacional contra ele, todas as artimanhas de caráter nacional contra não importa quem queira fazer alguma coisa "diferente" no Brasil, são fatores positivos consideráveis na criação de algo genuinamente brasileiro. O fracasso dos elementos estrangeiros - pelo menos até se "nacionalizarem" - é mostra evidente de que o Brasil resiste a análises menos apaixonadas, mais pragmáticas. E graças a Deus!

Por isso eu acho que o cinema carioca está definitivamente fadado a produzir melhores filmes, do ponto de vista brasileiro, que o cinema paulista - onde se criou urna espécie de nacionalismo sui generis, apartado do complexo brasileiro, interpretando problemas menos brasileiros do que "paulistas". 

Isso sem qualquer forfait com o grande estado, cujo papel industrial no Brasil sou o primeiro a proclamar.