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Cavalcanti e a Kino Filmes

Última Hora , 13 de Março de1952

Uma viagem rápida a São Paulo, durante o carnaval, pôs-me a par de várias atividades paulistas no setor cinematográfico, dentre as quais a mais importante é sem dúvida a formação da Kino Filmes Ltda., à frente da qual se acha Alberto Cavalcanti. Kino corresponde em grego a movimento, movimento cinemático. Tanto melhor. Ao dar um tal nome à sua Companhia, Cavalcanti mostra, ainda uma vez, as boas intenções que o levam a tentar fazer cinema em seu próprio país, quando a Europa continua a acenar-lhe com ótimas possibilidades. O diretor de Rien que les heures e En rade decidiu-se a não entregar a rapadura, apesar dos muitos golpes que levou e da campanha de descrédito contra ele movida, em sua grande maioria pelos mais provectos elementos da picaretagem cinematográfica nacional.

No fundo a reação de Cavalcanti parte de um sentimento simples dentro dele. Cavalcanti acredita em cinema, e ama seu país. Nada lhe agradaria mais que ver a incipiente indústria encaminhar-se pela trilha do "Kinema", ou seja, do bom cinema. Esse sentimento é nele verdadeiro como o bater do coração. Nos amplos escritórios da nova Companhia, à rua Conselheiro Crispiniano, fui encontrá-lo à sua mesa de trabalho dando forma cinematográfica a uma das muitas histórias que tem na gaveta. Seu entusiasmo pela empreitada é quase juvenil. Pois a verdade é que Cavalcanti é um homem que se transforma completamente no exercício do seu trabalho. Pega às sete horas, e não descansa. Põe todo o mundo a dar duro à sua volta, e não trasteja em matéria de zelo. Planejando cada filme em seus menores detalhes, Cavalcanti, vê-se, é um homem que trabalha para o futuro. No que, aliás, age com o maior critério. Porque, não importa o que falem os produtores sistemáticos de "abacaxis", a coisa é que nada poderá impedir que Cavalcanti crie um cinema de qualidade muito superior ao deles, e isso por uma razão muito simples: ele sabe fazê-lo, tem bossa do métier, conhece a produção em todos os seus setores.

Essas atividades estão atualmente repetidas com os trabalhos finais de preparação do roteiro técnico de Simão, o caolho, o filme que dirigirá para a Maristela, sobre a história de Galeão Coutinho. Tudo isso o faz mover-se, e o movimento de Cavalcanti é orgânico, dinâmico, batata. Ele move-se para frente, para um objetivo em que acredita: o bom cinema brasileiro. Já se impacientou muito com a má vontade e incompreensão dos que se opuseram à execução de suas idéias, filhas de uma experiência de trinta anos junto às indústrias européias. Hoje em dia ele quer é trabalhar. Confia em que virá o Instituto Nacional de Cinema e que o melhor projeto há de vencer a parada - pois, na realidade, recusa-se a desacreditar nos homens. Entrementes, vai compilando boas histórias, bom material técnico, e estuda as mil questões relacionadas com a construção e aparelhamento de seus futuros estúdios. E que assim seja feito.