voltarMovie

A asa do Arcanjo

A Vanguarda , 22 de Agosto de1953

Eu sei que se mostrarem jamais esta crônica a Rossellini ele é bem capaz de querer me quebrar a cara, mas não posso resistir à tentação de contar como vi Ingrid Bergman a primeira vez.
 
Havia em Hollywood Boulevard, na esquina com a rua Selma, se não me engano, uma banca de jornais e revistas que era das coisas mais completas que já vi no mundo, bastando dizer que até o nosso velho Jornal do Comércio ia bater por lá, sendo que eu, naquela saudade de prolongado exílio, lia-o cuidadosamente. Pois bem. Um dia eu estava folheando uma revista diante da banca quando ouço alguém ao meu lado dizer: "Excuse mè", ou seja, o nosso conhecido "Com licença". Tratava-de se uma voz feminina que não me soou estranha, e eu vi uma dona, que estirara o braço por cima de mim para apanhar uma revista colocada mais no alto. Foi aí que dei, a um palmo do meu rosto (e falarei com a unção e gravidade que o momento comporta), com uma axila de Ingrid Bergman (talvez até seja mais elegante dizer: a sua axa). Tratava-se da maior axila que já vi, em ser vivente de qualquer espécie, com seguramente uns dez centímetros de diâmetro, sem falar nas circunvizinhanças.
 
Fiquei, como é de esperar, meio siderado diante daquele Renoir - que digo! diante daquele Picasso da fase azul -, mas ao me recobrar já se fora a valquíria, de Vogue em punho, de modo que mal lhe pude ver o rosto. Vi-lhe, além do já contado, as costas: umas boas costas de remador do Flamengo, embora bastante mais torneadas que as das nossas palamentas. Umas costas de arcanjo mesmo, no duro, com asa e tudo.