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Alberto Cavalcanti e o I.N.C. (III)

Última Hora , 31 de Julho de1951

O fato da Vera Cruz estar sub-repticiamente encabeçando a campanha contra Cavalcanti, de modo a ferir os verdadeiros interesses do cinema brasileiro, só pode espantar aos que conhecem de dentro os problemas reais desse cinema. Esses problemas se referem diretamente ao espírito de lucros extraordinários, que tem dado ensejo a quase toda a porcariada que anda por aí, e que leis de execução precárias não sabem coibir. Daí a feitura constante de "abacaxis", com que se explora a boa-fé do povo - sobretudo no interior, onde o analfabetismo conta como um fator de renda, de vez que um público ignorante, incapaz de ler as legendas sobrepostas aos filmes estrangeiros, prefere de muito ouvir falar uma língua que ele entende. Isso tem dado vaza a essa coisa fabulosa, de que os filmes nacionais de maior renda, como O ébrio e outros, chegam a ultrapassar os lucros dos filmes americanos de maior sucesso como o próprio E o vento levou... 

Pouca gente sabe disso. Pouca gente sabe também que há companhias que se formam do dia para a noite e rodam um filme sobre, por exemplo, o carnaval carioca, exclusivamente para encher a burra - e depois fecham as portas. Esse apoio popular imenso que o povo dá ao, cinema nacional - e que é o maior crédito do ponto de vista das possibilidades futuras de se fazer bom cinema no Brasil - é que precisa ser compreendido e reajustado a melhores condições de produção. Quando Alberto Cavalcanti foi afastado da Vera Cruz, em meio à filmagem de ngelaa, seu terceiro filme para a companhia paulista, perdeu ele inclusiveos direitos que tinha à idéia sobre que se baseava a película, que era originalmente sua. E quando mais tarde foi ele procurado por capital particular e convidado a formar uma nova companhia, o cineasta patrício recusou, certo de que nada de muito bom poderia ser feito sem que leis orgânicas e de aplicação garantida protegessem efetivamente os direitos do produtor - que é quem mais trabalha e quem menos ganha no cinema nacional, devido ao truste de exibição. Essas leis deveriam proteger o produtor independente da maneira mais cabal possível, determinando-lhe uma quota de proventos, garantindo-lhe a propriedade no tocante aos direitos autorais, criando condições de estabilidade para o cinema nacional, impedindo o mercado negro de filme virgem, e facilitando, através de uma censura de qualidade (por meio de categorias de qualidade A, B e C, apostas nos certificados de censura), condição para uma saudável concorrência de qualidade. Assim é que os filmes de qualidade A, teriam um maior número de regalias que os de qualidade B, e estes que os de qualidade C, no tocante ao recolhimento de taxas, distribuição dos prêmios previstos por lei (que nunca foram dados), e facilidades de exportação para o mercado estrangeiro. 

Nada disso poderia ser feito - Cavalcanti compreendeu-o bem - sem a criação de um órgão oficial de fiscalização e proteção, nos moldes do Instituto Nacional de Cinema, cujo planejamento ele está levando a efeito com sua equipe de técnicos e estudiosos. Dizer, como se diz por aí, que o INC influirá na produção privada, constitui assim o maior dos absurdos. Nem a sua existência representa de modo algum uma intervenção estatal. A verdade é que sem uma entidade fiscalizadora, o cinema nacional só tenderá a regredir - pois o espírito de aventura e a sede de lucros extraordinários aí estarão para precipitar o seu fracasso, e para coibir ainda mais a inversão de capitais particulares de que ele tanto necessita.