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Elegia lírica

Itatiaia-RJ , 1943

Um dia, tendo ouvido bruscamente o apelo da amiga desconhecida 
Pus-me a descer contente pela estrada branca do sul 
E em vão eram tristes os rios e torvas as águas 
Nos vales havia mais poesia que em mil anos. 

Eu devia ser como o filósofo errante à imagem da Vida 
O riso me levava nas asas vertiginosas das andorinhas 
E em vão eram tristes os rios e torvas as águas 
Sobre o horizonte em fogo cavalos vermelhos pastavam. 

Por todos os lados flores, não flores ardentes, mas outras flores 
Singelas, que se poderiam chamar de outros nomes que não os seus 
Flores como borboletas prisioneiras, algumas pequenas e pobrezinhas 
Que lá aos vossos pés riam-se como orfãozinhas despertadas. 

Que misericórdia sem termo vinha se abatendo sobre mim! 
Meus braços se fizeram longos para afagar os seios das montanhas 
Minhas mãos se tornaram leves para reconduzir o animalzinho transviado 
Meus dedos ficaram suaves para afagar a pétala murcha. 

E acima de tudo me abençoava o anjo do amor sonhado... 
Seus olhos eram puros e mutáveis como profundezas de lago 
Ela era como uma nuvem branca num céu de tarde 
Triste, mas tão real e evocativa como uma pintura. 

Cheguei a querê-la em lágrimas, como uma criança 
Vendo-a dançar ainda quente de sol nas gazes frias da chuva 
E a correr para ela, quantas vezes me descobri confuso 
Diante de fontes nuas que me prendiam e me abraçavam... 

Meu desejo era bom e meu amor fiel 
Versos que outrora fiz vinham-me sorrir à boca... 
Oh, doçura! que colméia és de tanta abelha 
Em meu peito a derramares mel tão puro! 

E vi surgirem as luzes brancas da cidade 
Que me chamavam; e fui... Cheguei feliz 
Abri a porta... ela me olhou e perguntou meu nome: 
Era uma criança, tinha olhos exaltados, parecia me esperar. 

*

A minha namorada é tão bonita, tem olhos como besourinhos do céu 
Tem olhos como estrelinhas que estão sempre balbuciando aos passarinhos... 
É tão bonita! tem um cabelo fino, um corpo de menino e um andar pequenino 
E é a minha namorada... vai e vem como uma patativa, de repente morre de amor 
Tem fala de S e dá a impressão que está entrando por uma nuvem adentro... 
Meu Deus, eu queria brincar com ela, fazer comidinha, jogar nai-ou-nentes 
Rir e num átimo dar um beijo nela e sair correndo 
E ficar de longe espiando-lhe a zanga, meio vexado, meio sem saber o que faça... 
A minha namorada é muito culta, sabe aritmética, geografia, história, contraponto 
E se eu lhe perguntar qual a cor mais bonita ela não dirá que é a roxa porém brique. 
Ela faz coleção de cactos, acorda cedo vai para o trabalho 
E nunca se esquece que é a menininha do poeta. 
Se eu lhe perguntar: Meu anjo, quer ir à Europa? ela diz: Quero se mamãe for! 
Se eu lhe perguntar: Meu anjo, quer casar comigo? ela diz... - não, ela não acredita. 
É doce! gosta muito de mim e sabe dizer sem lágrimas: Vou sentir tantas saudades quando você for... 
É uma nossa senhorazinha, é uma cigana, é uma coisa 
Que me faz chorar na rua, dançar no quarto, ter vontade de me matar e de ser presidente da república. 
É boba, ela! tudo faz, tudo sabe, é linda, ó anjo de Domremy! 
Dêem-lhe uma espada, constrói um reino; dêem-lhe uma agulha, faz um crochê 
Dêem-lhe um teclado, faz uma aurora, dêem-lhe razão, faz uma briga...! 
E do pobre ser que Deus lhe deu, eu, filho pródigo, poeta cheio de erros 
Ela fez um eterno perdido... 

"Meu benzinho adorado minha triste irmãzinha eu te peço por tudo o que há de mais sagrado que você me escreva uma cartinha sim dizendo como é que você vai que eu não sei eu ando tão zaranza por causa do teu abandono eu choro e um dia pego tomo um porre danado que você vai ver e aí nunca mais mesmo que você me quer e sabe o que eu faço eu vou-me embora para sempre e nunca mas vejo esse rosto lindo que eu adoro porque você é toda a minha vida e eu só escrevo por tua causa ingrata e só trabalho para casar com você quando a gente puder porque agora tudo está tão difícil mas melhora não se afobe e tenha confiança em mim que te quero acima do próprio Deus que me perdoe eu dizer isso mais é sincero porque ele sabe que ontem pensei todo o dia em você e acabei chorando no rádio por causa daquele estudo de Chopin que você tocou antes de eu ir-me embora e imagina só que estou fazendo uma história para você muito bonita e quando chega de noite eu fico tão triste que até dá pena e tenho vontade de ir correndo te ver e beijo o ar feito bobo com uma coisa no coração que já fui até no médico mas ele disse que é nervoso e me falou que eu sou emotivo e eu peguei ri na cara dele e ele ficou uma fera que a medicina dele não sabe que o meu bem está longe melhor para ele eu só queria te ver uma meia hora eu pedia tanto que você acabava ficando enfim adeus que já estou até cansado de tanta saudade e tem gente aqui perto e fica feio eu chorar na frente deles eu não posso adeus meu rouxinol me diz boa-noite e dorme pensando neste que te adora e se puder pensa o menos possível no teu amigo para você não se entristecer muito que só mereces felicidade do teu definitivo e sempre amigo..." 

Tudo é expressão. 

Neste momento, não importa o que eu te diga 
Voa de mim como uma incontensão de alma ou como um afago. 
Minhas tristezas, minhas alegrias 
Meus desejos são teus, toma, leva-os contigo! 
És branca, muito branca 
E eu sou quase eterno para o teu carinho. 
Não quero dizer nem que te adoro 
Nem que tanto me esqueço de ti 
Quero dizer-te em outras palavras todos os votos de amor jamais sonhados
 
Alóvena, ebaente 
Puríssima, feita para morrer... 

"Ó 
Crucificado estou 
Na ânsia deste amor 
Que o pranto me transporta sobre o mar 
Pelas cordas desta lira 
Todo o meu ser delira 
Na alma da viola a soluçar!" 
Bordões, primas 
Falam mais que rimas. 
É estranho 
Sinto que ainda estou longe de tudo 
Que talvez fosse cantar um blues 
Yes! 
Mas 
O maior medo é que não me ouças 
Que estejas deitada sonhando comigo 
Vendo o vento soprar o avental da tua janela 
Ou na aurora boreal de uma igreja escutando se erguer o sol de Deus. 
Mas tudo é expressão! 
Insisto nesse ponto, senhores jurados 
O meu amor diz frases temíveis: 
Angústia mística 
Teorema poético 
Cultura grega dos passeios no parque... 

No fundo o que eu quero é que ninguém me entenda Para eu poder te amar tragicamente!

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