voltarPoesias

Balada do mangue

Oxford , 1946

Pobres flores gonocócicas 
Que à noite despetalais 
As vossas pétalas tóxicas! 
Pobre de vós, pensas, murchas 
Orquídeas do despudor 
Não sois Lœlia tenebrosa 
Nem sois Vanda tricolor: 
Sois frágeis, desmilingüidas 
Dálias cortadas ao pé 
Corolas descoloridas 
Enclausuradas sem fé, 
Ah, jovens putas das tardes 
O que vos aconteceu 
Para assim envenenardes 
O pólen que Deus vos deu? 
No entanto crispais sorrisos 
Em vossas jaulas acesas 
Mostrando o rubro das presas 
Falando coisas do amor 
E às vezes cantais uivando 
Como cadelas à lua 
Que em vossa rua sem nome 
Rola perdida no céu... 
Mas que brilho mau de estrela 
Em vossos olhos lilases 
Percebo quando, falazes, 
Fazeis rapazes entrar! 
Sinto então nos vossos sexos 
Formarem-se imediatos 
Os venenos putrefatos 
Com que os envenenar 
Ó misericordiosas! 
Glabras, glúteas caftinas 
Embebidas em jasmim 
Jogando cantos felizes 
Em perspectivas sem fim 
Cantais, maternais hienas 
Canções de caftinizar 
Gordas polacas serenas 
Sempre prestes a chorar. 
Como sofreis, que silêncio 
Não deve gritar em vós 
Esse imenso, atroz silêncio 
Dos santos e dos heróis! 
E o contraponto de vozes 
Com que ampliais o mistério 
Como é semelhante às luzes 
Votivas de um cemitério 
Esculpido de memórias! 
Pobres, trágicas mulheres 
Multidimensionais 
Ponto morto de choferes 
Passadiço de navais! 
Louras mulatas francesas 
Vestidas de carnaval: 
Viveis a festa das flores 
Pelo convés dessas ruas 
Ancoradas no canal? 
Para onde irão vossos cantos 
Para onde irá vossa nau? 
Por que vos deixais imóveis 
Alérgicas sensitivas 
Nos jardins desse hospital 
Etílico e heliotrópico? 
Por que não vos trucidais 
Ó inimigas? ou bem 
Não ateais fogo às vestes 
E vos lançais como tochas 
Contra esses homens de nada 
Nessa terra de ninguém!

Livros com essa poesia