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Balada de Pedro Nava

Rio de Janeiro , 1946

(O anjo e o túmulo) 

I

Meu amigo Pedro Nava 
Em que navio embarcou: 
A bordo do Westphalia 
Ou a bordo do Lidador

Em que antárticas espumas 
Navega o navegador 

Em que brahmas, em que brumas 
Pedro Nava se afogou? 

Juro que estava comigo 
Há coisa de não faz muito 
Enchendo bem a caveira 
Ao seu eterno defunto. 

Ou não era Pedro Nava 
Quem me falava aqui junto 
Não era o Nava de fato 
Nem era o Nava defunto?... 

Se o tivesse aqui comigo 
Tudo se solucionava 
Diria ao garçom: Escanção! 
Uma pedra a Pedro Nava! 

Uma pedra a Pedro Nava 
Nessa pedra uma inscrição: 
"- deste que muito te amava 
teu amigo, teu irmão..." 


Mas oh, não! que ele não morra 
Sem escutar meu segredo 
Estou nas garras da Cachorra 
Vou ficar louco de medo 

Preciso muito falar-lhe 
Antes que chegue amanhã: 
Pedro Nava, meu amigo 
DESCEU O LEVIATÃ! 


II

A moça dizia à lua 
Minha carne é cor-de-rosa 
Não é verde como a tua 
Eu sou jovem e formosa. 
Minhas maminhas - a moça 
À lua mostrava as suas - 
Têm a brancura da louça 
Não são negras como as tuas. 
E ela falava: Meu ventre 
É puro - e o deitava à lua 
A lua que o sangra dentro 
Quem haverá que a possua? 
Meu sexo - a moça jogada 
Entreabria-se nua - 
É o sangue da madrugada
 
Na triste noite sem lua. 
Minha pele é viva e quente 
Lança o teu raio mais frio 
Sobre o meu corpo inocente... 
Sente o teu como é vazio. 


III

A sombra decapitada 
Caiu fria sobre o mar... 
Quem foi a voz que chamou? 
Quem foi a voz que chamou? 

- Foi o cadáver do anjo 
Que morto não se enterrou. 

Nas vagas boiavam virgens 
Desfiguradas de horror... 
O homem pálido gritava: 
Quem foi a voz que chamou? 

- Foi o extático Adriático 
Chorando o seu paramor. 

De repente, no céu ermo 
A lua se consumou... 
O mar deu túmulo à lua. 
Quem foi a voz que chamou? 

- Foi a cabeça cortada 
Na praia do Arpoador. 

O mar rugia tão forte 
Que o homem se debruçou 
Numa vertigem de morte: 
Quem foi a voz que chamou? 

- Foi a eterna alma penada 
Daquele que não amou. 

No abismo escuro das fragas 
Descia o disco brilhante 
Sumindo por entre as águas... 
Oh lua em busca do amante! 
E o sopro da ventania 
Vinha e desaparecia. 

Negro cárcere da morte 
Branco cárcere da dor 
Luz e sombra da alvorada... 
A voz amada chamou! 

E um grande túmulo veio 
Se desvendando no mar 
Boiava ao sabor das ondas 
Que o não queriam tragar. 

Tinha uma laje e uma lápide 
Com o nome de uma mulher 
Mas de quem era esse nome 
Nunca o pudesse dizer.

 

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