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Cinco elegias

Rio de Janeiro, Pongetti, 1943

Após escrever quatro livros em cinco anos, Vinicius faz o inverso: fica cinco anos sem publicar. Nesse período, sua vida passa por uma série de intensas mudanças. Entre elas, a principal: casa-se com Beatriz Azevedo de Mello, a Tati, sua primeira mulher. Depois de breve temporada na Inglaterra para estudar literatura, mora na Gávea e, em 1940, tem a primeira filha, Susana. Muda-se para o Leblon e ingressa, em 1942, na carreira diplomática. 

O ano de 1942 foi decisivo na vida de Vinicius. É quando ele conhece outras realidades sociais no Rio e no Brasil ao lado do escritor norte-americano Waldo Frank. Outra viagem marcante foi a Minas Gerais, ocasião em que cria laços eternos com o Estado e faz amigos como Otto Lara Resende, Paulo Mendes Campos, Fernando Sabino e Hélio Pellegrino. É também quando tem o primeiro impulso para começar a conceber o que anos depois seria a peça Orfeu da Conceição. Vinicius já era um homem maduro, casado, e atuava na imprensa carioca escrevendo principalmente sobre cinema. 

Assim, suas  Cinco Elegias são o resultado desse momento em que Vinicius encerra um ciclo de vida, ligado à juventude católica e a uma poética circunspecta, para inaugurar outro, ligado à vida nas ruas, aos amores derramados e a uma intensa atividade intelectual – seja nos livros e jornais, seja nos bares que reuniam a nata das artes e do pensamento carioca e brasileiro de então. 

Outro ponto para enxergarmos esse aspecto de balanço e superação do livro, além do arrojo formal e da experimentação com a linguagem poética que podemos encontrar em muitos dos seus versos, é a reunião do seu passado com o seu presente. O volume, feito com a ajuda de amigos como  Manuel Bandeira e Aníbal Machado – é dedicado a Otavio de Faria, Mario Vieira de Mello e José Arthur da Frota Moreira, amigos da juventude, aqueles que o levaram à poesia. Cinco Elegias fecha um período de Vinícius, publicando poemas que foram escritos ou iniciados ainda em 1937 e, seis anos depois, ganham corpo no livro. 

Nota Bibliográfica

Texto de apresentação, escrito por Vinicius para a primeira edição:

A Octávio de Faria, José Artur da Frota Moreira, Mário Vieira de Melo.

Dessas cinco elegias, as quatro primeiras foram ideadas e em parte escritas - a primeira e a segunda integralmente - em 1937, em Itatiaia, no sítio de Octávio de Faria, ali a meio caminho entre Campo Belo e a Cachoeira de Marombas, lugar que amo e onde passei alguns dos meus melhores dias. Nesse tempo, a terceira, essa que aqui vai com o título de "Desesperada", era para ser na realidade a quarta; em substituição havia outra; que se deveria chamar "Intermédio elegíaco" e afinal se transformou num drama lírico, com que ainda hoje ando lidando. Iniciada nessa ocasião, só fui terminá-la em fins de 1938, em Oxford, quando, estudante, ali assisti. A atual quarta foi a única que me perseguiu, inacabada, ao longo de todos esses anos. Há coisa de um mês, de repente, resolveu-se.


Quanto à última, escrevi-a de jato, naquele maio de 1939, em Londres, vendo, do meu apartamento, a manhã nascer sobre os telhados novos do bairro de Chelsea. A qualidade da experiência vivida e o lugar onde a vivi criaram-lhe espontaneamente a linguagem em que se formou, mistura de português e inglês, com vocábulos muitas vezes inventados e sem chave morfológica possível. Mas não houve sombra de vontade de parecer original. É uma fala de amor como a falei, virtualmente transposta para a poesia, na qual procurei traduzir, dentro de sonoridades estanques de duas línguas que me são tão caras e com arranjos gráficos e ordem puramente mnemônica, isso que foi a maior aventura lírica da minha vida.

V.M.
Junho de 1943


Capa de Joanita Blank e Manuel Bandeira.