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Quatro sonetos de meditação

Oxford , 1946

I

Mas o instante passou. A carne nova 
Sente a primeira fibra enrijecer 
E o seu sonho infinito de morrer 
Passa a caber no berço de uma cova. 

Outra carne vírá. A primavera 
É carne, o amor é seiva eterna e forte 
Quando o ser que viver unir-se à morte 
No mundo uma criança nascerá. 

Importará jamais por quê? Adiante 
O poema é translúcido, e distante 
A palavra que vem do pensamento 

Sem saudade. Não ter contentamento. 
Ser simples como o grão de poesia. 
E íntimo como a melancolia. 


II

Uma mulher me ama. Se eu me fosse 
Talvez ela sentisse o desalento 
Da árvore jovem que não ouve o vento 
Inconstante e fiel, tardio e doce. 

Na sua tarde em flor. Uma mulher 
Me ama como a chama ama o silêncio 
E o seu amor vitorioso vence 
O desejo da morte que me quer. 

Uma mulher me ama. Quando o escuro 
Do crepúsculo mórbido e maduro 
Me leva a face ao gênio dos espelhos 

E eu, moço, busco em vão meus olhos velhos 
Vindos de ver a morte em mim divina: 
Uma mulher me ama e me ilumina. 


III

O efêmero. Ora, um pássaro no vale 
Cantou por um momento, outrora, mas 
O vale escuta ainda envolto em paz 
Para que a voz do pássaro não cale. 

E uma fonte futura, hoje primária 
No seio da montanha, irromperá 
Fatal, da pedra ardente, e levará 
À voz a melodia necessária. 

O efêmero. E mais tarde, quando antigas 
Se fizerem as flores, e as cantigas 
A uma nova emoção morrerem, cedo 

Quem conhecer o vale e o seu segredo 
Nem sequer pensará na fonte, a sós... 
Porém o vale há de escutar a voz. 


IV

Apavorado acordo, em treva. O luar 
É como o espectro do meu sonho em mim 
E sem destino, e louco, sou o mar 
Patético, sonâmbulo e sem fim. 

Desço na noite, envolto em sono; e os braços 
Como ímãs, atraio o firmamento 
Enquanto os bruxos, velhos e devassos 
Assoviam de mim na voz do vento. 

Sou o mar! sou o mar! meu corpo informe 
Sem dimensão e sem razão me leva 
Para o silêncio onde o Silêncio dorme 

Enorme. E como o mar dentro da treva 
Num constante arremesso largo e aflito 
Eu me espedaço em vão contra o infinito.

Oxford, 1938

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