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VINICIUS DE MORAES – POESIAS

Festa, 1959

Festa, 1959
Produção:
Irineu Garcia
Texto da Contra-capa:
En la voz se halla una de las más ricas y más singulares expresiones del misterio de la personalidad. Al principio era el Verbo - leemos en la Biblia - y en el Verbo se fundó el mundo de la creación. La poesía, según Novalis, es la fundación del ser por la palabra. Durante mucho tiempo, sin embargo, solamente la palabra escrita estuvo al alcance del gran público. Hoy, la técnica realiza el milagro de traer hasta cada uno de los lectores, enriquecidos con la condición de oyentes, la palabra oral, hablada. Cuando se trata de la palabra del propio poeta, como en este disco, lo que se añade es una nueva y poderosa dimensión para la comunicación poética. En este caso, lo que encontramos es un poeta, más allá de ser grande y único, es un maestro en el arte de recitar sus versos. Los excelentes poemas de Vinicius de Moraes ganan, en su voz personalísima e íntima, una carga de emoción y belleza que la simple palabra escrita está lejos de poder transmitir. He aquí el importante y sutil alcance de una grabación como esta, emprendida por la iniciativa feliz de Irineu Garcia: el disco nos trae, a cada uno de nosotros, más que la poesía, la compañía, a través de la voz del propio poeta. Lo que se obra, de hecho,  es multiplicar sin límites la posibilidad de una convivencia de Vinicius de Moraes com cada uno de quienes constituyen su numeroso público. Oir a Vinicius, en su propia interpretación, es un privilegio que está, ahora, al alcance de todos, gracias a este disco que contiene una esplêndida selección de lo que hay de mejor en la obra del autor de "O caminho para a distância". Ahora, ya no basta con leer a Vinicius de Moraes. Es necesario oír su voz, voz de poeta, comunicativa y humana, en un mensaje lírico que se realiza, aquí, de persona a persona, y con un acento cariñoso y singular que pasa a ser esencial para el buen entendimiento del Poeta.

Otto Lara Resende

Cola de reproducción
letra/canción

  • O Mergulhador

    Vinicius de Moraes

    Como, dentro do mar, libérrimos, os polvos 
    No líquido luar tateiam a coisa a vir 
    Assim, dentro do ar, meus lentos dedos loucos 
    Passeiam no teu corpo a te buscar-te a ti. 

    És a princípio doce plasma submarino 
    Flutuando ao sabor de súbitas correntes 
    Frias e quentes, substância estranha e íntima 
    De teor irreal e tato transparente. 

    Depois teu seio é a infância, duna mansa 
    Cheia de alísios, marco espectral do istmo 
    Onde, a nudez vestida só de lua branca 
    Eu ia mergulhar minha face já triste. 

    Nele soterro a mão como a cravei criança 
    Noutro seio de que me lembro, também pleno... 
    Mas não sei... o ímpeto deste é doído e espanta 
    O outro me dava vida, este me mete medo. 

    Toco uma a uma as doces glândulas em feixes 
    Com a sensação que tinha ao mergulhar os dedos 
    Na massa cintilante e convulsa de peixes 
    Retiradas ao mar nas grandes redes pensas. 

    E ponho-me a cismar… - mulher, como te expandes! 
    Que imensa és tu! maior que o mar, maior que a infância! 
    De coordenadas tais e horizontes tão grandes 
    Que assim imersa em amor és uma Atlântida! 

    Vem-me a vontade de matar em ti toda a poesia 
    Tenho-te em garra; olhas-me apenas; e ouço 
    No tato acelerar-se-me o sangue, na arritmia 
    Que faz meu corpo vil querer teu corpo moço. 

    E te amo, e te amo, e te amo, e te amo 
    Como o bicho feroz ama, a morder, a fêmea 
    Como o mar ao penhasco onde se atira insano 
    E onde a bramir se aplaca e a que retorna sempre. 

    Tenho-te e dou-me a ti válido e indissolúvel 
    Buscando a cada vez, entre tudo o que enerva 
    O imo do teu ser, o vórtice absoluto 
    Onde possa colher a grande flor da treva. 

    Amo-te os longos pés, ainda infantis e lentos 
    Na tua criação; amo-te as hastes tenras 
    Que sobem em suaves espirais adolescentes 
    E infinitas, de toque exato e frêmito. 

    Amo-te os braços juvenis que abraçam 
    Confiantes meu criminoso desvario 
    E as desveladas mãos, as mãos multiplicantes 
    Que em cardume acompanham o meu nadar sombrio. 

    Amo-te o colo pleno, onda de pluma e âmbar 
    Onda lenta e sozinha onde se exaure o mar 
    E onde é bom mergulhar até romper-me o sangue 
    E me afogar de amor e chorar e chorar. 

    Amo-te os grandes olhos sobre-humanos 
    Nos quais, mergulhador, sondo a escura voragem 
    Na ânsia de descobrir, nos mais fundos arcanos 
    Sob o oceano, oceanos; e além, a minha imagem. 

    Por isso - isso e ainda mais que a poesia não ousa 
    Quando depois de muito mar, de muito amor 
    Emergindo de ti, ah, que silêncio pousa 
    Ah, que tristeza cai sobre o mergulhador!
  • Soneto Nr. 2 - De Meditação

    Vinicius de Moraes

    Uma mulher me ama. Se eu me fosse 
    Talvez ela sentisse o desalento 
    Da árvore jovem que não ouve o vento 
    Inconstante e fiel, tardio e doce. 

    Na sua tarde em flor. Uma mulher 
    Me ama como a chama ama o silêncio 
    E o seu amor vitorioso vence 
    O desejo da morte que me quer. 

    Uma mulher me ama. Quando o escuro 
    Do crepúsculo mórbido e maduro 
    Me leva a face ao gênio dos espelhos 

    E eu, moço, busco em vão meus olhos velhos 
    Vindos de ver a morte em mim divina: 
    Uma mulher me ama e me ilumina.
  • Os Acrobatas

    Vinicius de Moraes

    Subamos! 
    Subamos acima 
    Subamos além, subamos 
    Acima do além, subamos! 
    Com a posse física dos braços 
    Inelutavelmente galgaremos 
    O grande mar de estrelas 
    Através de milênios de luz. 

    Subamos! 
    Como dois atletas 
    O rosto petrificado 
    No pálido sorriso do esforço 
    Subamos acima 
    Com a posse física dos braços 
    E os músculos desmesurados 
    Na calma convulsa da ascensão. 

    Oh, acima 
    Mais longe que tudo 
    Além, mais longe que acima do além! 
    Como dois acrobatas 
    Subamos, lentíssimos 
    Lá onde o infinito 
    De tão infinito 
    Nem mais nome tem 
    Subamos! 

    Tensos 
    Pela corda luminosa 
    Que pende invisível 
    E cujos nós são astros 
    Queimando nas mãos 
    Subamos à tona 
    Do grande mar de estrelas 
    Onde dorme a noite 
    Subamos! 

    Tu e eu, herméticos 
    As nádegas duras 
    A carótida nodosa 
    Na fibra do pescoço 
    Os pés agudos em ponta. 

    Como no espasmo. 

    E quando 
    Lá, acima 
    Além, mais longe que acima do além 
    Adiante do véu de Betelgeuse 
    Depois do país de Altair 
    Sobre o cérebro de Deus 

    Num último impulso 
    Libertados do espírito 
    Despojados da carne 
    Nós nos possuiremos. 

    E morreremos 
    Morreremos alto, imensamente 
    IMENSAMENTE ALTO.
  • A Hora Íntima

    Vinicius de Moraes

    Quem pagará o enterro e as flores 
    Se eu me morrer de amores? 
    Quem, dentre amigos, tão amigo 
    Para estar no caixão comigo? 
    Quem, em meio ao funeral 
    Dirá de mim: - Nunca fez mal... 
    Quem, bêbedo, chorará em voz alta 
    De não me ter trazido nada? 
    Quem virá despetalar pétalas 
    No meu túmulo de poeta? 
    Quem jogará timidamente 
    Na terra um grão de semente? 
    Quem elevará o olhar covarde 
    Até a estrela da tarde? 
    Quem me dirá palavras mágicas 
    Capazes de empalidecer o mármore? 
    Quem, oculta em véus escuros 
    Se crucificará nos muros? 
    Quem, macerada de desgosto 
    Sorrirá: - Rei morto, rei posto... 
    Quantas, debruçadas sobre o báratro 
    Sentirão as dores do parto? 
    Qual a que, branca de receio 
    Tocará o botão do seio? 
    Quem, louca, se jogará de bruços 
    A soluçar tantos soluços 
    Que há de despertar receios? 
    Quantos, os maxilares contraídos 
    O sangue a pulsar nas cicatrizes 
    Dirão: - Foi um doido amigo... 
    Quem, criança, olhando a terra 
    Ao ver movimentar-se um verme 
    Observará um ar de critério? 
    Quem, em circunstância oficial 
    Há de propor meu pedestal? 
    Quais os que, vindos da montanha 
    Terão circunspecção tamanha 
    Que eu hei de rir branco de cal? 
    Qual a que, o rosto sulcado de vento 
    Lançará um punhado de sal 
    Na minha cova de cimento? 
    Quem cantará canções de amigo 
    No dia do meu funeral? 
    Qual a que não estará presente 
    Por motivo circunstancial? 
    Quem cravará no seio duro 
    Uma lâmina enferrujada? 
    Quem, em seu verbo inconsútil 
    Há de orar: - Deus o tenha em sua guarda. 
    Qual o amigo que a sós consigo 
    Pensará: - Não há de ser nada... 
    Quem será a estranha figura 
    A um tronco de árvore encostada 
    Com um olhar frio e um ar de dúvida? 
    Quem se abraçará comigo 
    Que terá de ser arrancada? 

    Quem vai pagar o enterro e as flores 
    Se eu me morrer de amores?
  • Receita de Mulher

    Vinicius de Moraes

    As muito feias que me perdoem
    Mas beleza é fundamental. É preciso
    Que haja qualquer coisa de flor em tudo isso
    Qualquer coisa de dança,
    qualquer coisa de haute couture
    Em tudo isso (ou então
    Que a mulher se socialize
    elegantemente em azul,
    como na República Popular Chinesa).
    Não há meio-termo possível. É preciso
    Que tudo isso seja belo. É preciso
    que súbito tenha-se a
    impressão de ver uma
    garça apenas pousada e que um rosto
    Adquira de vez em quando essa cor só
    encontrável no terceiro minuto da aurora.
    É preciso que tudo isso seja sem ser, mas
    que se reflita e desabroche
    No olhar dos homens. É preciso,
    é absolutamente preciso
    Que seja tudo belo e inesperado. É preciso que
    umas pálpebras cerradas
    Lembrem um verso de Éluard e que se acaricie nuns braços
    Alguma coisa além da carne: que se os toque
    Como no âmbar de uma tarde. Ah, deixai-me dizer-vos
    Que é preciso que a mulher que ali está como a corola ante o pássaro
    Seja bela ou tenha pelo menos um rosto que lembre um templo e
    Seja leve como um resto de nuvem: mas que seja uma nuvem
    Com olhos e nádegas. Nádegas é importantíssimo. Olhos então
    Nem se fala, que olhe com certa maldade inocente. Uma boca
    Fresca (nunca úmida!) é também de extrema pertinência.
    É preciso que as extremidades sejam magras; que uns ossos
    Despontem, sobretudo a rótula no cruzar das pernas,
    e as pontas pélvicas
    No enlaçar de uma cintura semovente.
    Gravíssimo é porém o problema das saboneteiras:
    uma mulher sem saboneteiras
    É como um rio sem pontes. Indispensável.
    Que haja uma hipótese de barriguinha, e em seguida
    A mulher se alteie em cálice, e que seus seios
    Sejam uma expressão greco-romana, mas que gótica ou barroca
    E possam iluminar o escuro com uma capacidade mínima de cinco velas.
    Sobremodo pertinaz é estarem a caveira e a coluna vertebral
    Levemente à mostra; e que exista um grande latifúndio dorsal!
    Os membros que terminem como hastes, mas que haja um certo volume de coxas
    E que elas sejam lisas, lisas como a pétala e cobertas de suavíssima penugem
    No entanto, sensível à carícia em sentido contrário.
    É aconselhável na axila uma doce relva com aroma próprio
    Apenas sensível (um mínimo de produtos farmacêuticos!).
    Preferíveis sem dúvida os pescoços longos
    De forma que a cabeça dê por vezes a impressão
    De nada ter a ver com o corpo, e a mulher não lembre
    Flores sem mistério. Pés e mãos devem conter elementos góticos
    Discretos. A pele deve ser frescas nas mãos, nos braços, no dorso, e na face
    Mas que as concavidades e reentrâncias tenham uma temperatura nunca inferior
    A 37 graus centígrados, podendo eventualmente provocar queimaduras
    Do primeiro grau. Os olhos, que sejam de preferência grandes
    E de rotação pelo menos tão lenta quanto a da Terra; e
    Que se coloquem sempre para lá de um invisível muro de paixão
    Que é preciso ultrapassar. Que a mulher seja em princípio alta
    Ou, caso baixa, que tenha a atitude mental dos altos píncaros.
    Ah, que a mulher dê sempre a impressão de que se fechar os olhos
    Ao abri-los ela não estará mais presente
    Com seu sorriso e suas tramas. Que ela surja, não venha; parta, não vá
    E que possua uma certa capacidade de emudecer subitamente e nos fazer beber
    O fel da dúvida. Oh, sobretudo
    Que ela não perca nunca, não importa em que mundo
    Não importa em que circunstâncias, a sua infinita volubilidade
    De pássaro; e que acariciada no fundo de si mesma
    Transforme-se em fera sem perder sua graça de ave; e que exale sempre
    O impossível perfume; e destile sempre
    O embriagante mel; e cante sempre o inaudível canto
    Da sua combustão; e não deixe de ser nunca a eterna dançarina
    Do efêmero; e em sua incalculável imperfeição
    Constitua a coisa mais bela e mais perfeita de toda a criação inumerável.