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De noite para proclamar-se minha escrava...

Rio de Janeiro , 2004

De noite para proclamar-se minha escrava 
E antes mesmo de tê-la, tendo-a na boca presa 
Era o jovem que fui, semeador de beleza 
Que voltava do mar a dizer, triunfal 
"Vi Nossa Senhora! Num banco de coral 
Ela estava a chorar, tão linda, me chamando!" 
Ou que, vindo do sol, afogueado, vermelho, 
Punha-me nu e ria do meu corpo no espelho 
E que, sentado à praia, entre meninas da Ilha 
Afagando um quadril, consertando uma quilha 
Sonhava essa mulher, plena, doce e carnal 
Que em mim trouxesse o anjo à presa do animal 
Essa mesma mulher que me surgiu agora. 

Quando ela apareceu, risonha, inesperada 
Para o encontro ideal, azul sobre a calçada 
Solto o cabelo, terno o gesto, leve o passo 
Não houve em meu olhar nem temor nem embaraço 
Senti nessa mulher desconhecida alguma 
Coisa que a iluminava e a despia da bruma 
Como se na nudez em que a via surgisse 
Todo o sonho de amor da minha meninice 
Que importava quem fosse?... ao tocá-la sentia 
A carne que amava e sobre a qual dormia 
A alma fecunda e só, que, longa, me acordava. 

Que mais farei na vida feita 
Rico de tudo, nada tenho 
Vivo fugindo 
Sigo aceitando o que me vem 
Mas tudo vem tão diferente.