backDiscs

VINICIUS/TOQUINHO

Philips, 1975

Direção e Produção: Fernando Faro
  • Turbilhão

    Mutinho, Toquinho

    Venha se perder nesse turbilhão. 
    Não se esqueça de fazer 
    Tudo o que pedir esse seu coração.

    Tem muita gente que só vive pra pensar;
    Existe aquele que não pensa pra viver. 
    Eu, por exemplo, na paixão, 
    Mesmo que tenha que sofrer, 
    Eu abro o jogo e o coração
    E deixo o meu barco correr.

    Tem muita gente que não quer se complicar;
    Existe aquele que não perde a sua fé. 
    Eu, por exemplo, meu amigo, 
    Pelo amor de uma mulher, 
    Eu viro a cara pro perigo 
    E seja lá o que Deus quiser.
  • Onde anda você

    Vinicius de Moraes, Hermano Silva

    E por falar em saudade 
    Onde anda você 
    Onde andam os seus olhos 
    Que a gente não vê 
    Onde anda esse corpo 
    Que me deixou morto 
    De tanto prazer 

    E por falar em beleza 
    Onde anda a canção 
    Que se ouvia na noite 
    Dos bares de então 
    Onde a gente ficava 
    Onde a gente se amava 
    Em total solidão 

    Hoje eu saio na noite vazia 
    Numa boemia sem razão de ser 
    Na rotina dos bares 
    Que apesar dos pesares 
    Me trazem você 

    E por falar em paixão 
    Em razão de viver 
    Você bem que podia me aparecer 
    Nesses mesmos lugares 
    Na noite, nos bares 
    Onde anda você

    Tonga Editora Musical LTDA
  • Um homem chamado Alfredo

    Vinicius de Moraes, Toquinho

    O meu vizinho do lado 
    Se matou de solidão 
    Abriu o gás, o coitado 
    O último gás do bujão 
    Porque ninguém o queria 
    Ninguém lhe dava atenção 
    Porque ninguém mais lhe abria 
    As portas do coração 
    Levou com ele seu louro 
    E um gato de estimação 

    Há tanta gente sozinha 
    Que a gente mal adivinha 
    Gente sem vez para amar 
    Gente sem mão para dar 
    Gente que basta um olhar 
    Quase nada 
    Gente com os olhos no chão 
    Sempre pedindo perdão 
    Gente que a gente não vê 
    Porque é quase nada 

    Eu sempre o cumprimentava 
    Porque parecia bom 
    Um homem por trás dos óculos 
    Como diria Drummond 
    Num velho papel de embrulho 
    Deixou um bilhete seu 
    Dizendo que se matava 
    De cansado de viver 
    Embaixo assinado Alfredo 
    Mas ninguém sabe de quê

    Tonga Editora Musical LTDA
  • Se ela quisesse

    Vinicius de Moraes, Toquinho

    Se ela tivesse 
    A coragem de morrer de amor 
    Se não soubesse 
    Que a paixão traz sempre muita dor 
    Se ela me desse 
    Toda devoção da vida 
    Num só instante 
    Sem momento de partida 

    Pudesse ela me dizer 
    O que eu preciso ouvir 
    Que o tempo insiste 
    Porque existe um tempo que há de vir 
    Se ela quisesse, se tivesse essa certeza 
    De repente, que beleza 
    Ter a vida assim ao seu dispor 
    Ela veria, saberia que doçura 
    Que delícia, que loucura 
    Como é lindo se morrer de amor

    Tonga Editora Musical LTDA
  • Acorde solto no ar

    Toquinho

    Quando do meu violão
    Solto um acorde no ar
    É como quem bebe um chopp
    Num canto de bar.

    Ou quem sai do cinema
    Com o amor de domingo;
    Quem vai pra Bahia
    Brincar no carnaval.

    Quando do meu violão
    Solto um acorde no ar
    É como quem sente a vida
    No tempo passar.

    Ou quem busca na esquina
    O amor de seu dia;
    Quem faz da alegria
    O seu quintal.
  • Conjugação da ausente

    Vinicius de Moraes

    Foram precisos mais dez anos e oito quilos
    Muitas cãs e um princípio de abdômen
    (Sem falar na Segunda Grande Guerra, na descoberta da penicilina e na desagregação do átomo)
    Foram precisos dois filhos e sete casas
    (Em lugares como São Paulo, Londres, Cascais, lpanema e Hollywood)
    Foram precisos três livros de poesia e uma operação de apendicite
    Algumas prevaricações e um exequatur
    Fora preciso a aquisição de uma consciência política
    E de incontáveis garrafas; fora preciso um desastre de avião
    Foram precisas separações, tantas separações
    Uma separação...

    Tua graça caminha pela casa
    Moves-te blindada em abstrações, como um T. Trazes
    A cabeça enterrada nos ombros qual escura
    Rosa sem haste. És tão profundamente
    Que irrelevas as coisas, mesmo do pensamento.
    A cadeira é cadeira e o quadro é quadro
    Porque te participam. Fora, o jardim
    Modesto como tu, murcha em antúrios
    A tua ausência. As folhas te outonam, a grama te
    Quer. És vegetal, amiga...
    Amiga! direi baixo o teu nome
    Não ao rádio ou ao espelho, mas à porta
    Que te emoldura, fatigada, e ao
    Corredor que pára
    Para te andar, adunca, inutilmente
    Rápida. Vazia a casa
    Raios, no entanto, desse olhar sobejo
    Oblíquos cristalizam tua ausência.
    Vejo-te em cada prisma, refletindo
    Diagonalmente a múltipla esperança
    E te amo, te venero, te idolatro
    Numa perplexidade de criança.

    E no entanto avistava à poucos passos
    Sua forma feminina que não era
    Nenhuma outra forma feminina, mas a dela
    A mulher amada
  • Maresia

    Toquinho

    Instrumental
  • Choro de nada

    Eduardo Souto Neto, Geraldo Carneiro

    No mesmo dia de sempre
    A mesma hora marcada
    Do mesmo lado da rua
    O cheiro da madrugada
    Eu vi a lua vazia
    Uma vitrine apagada
    Do outro lado da rua
    Sentada sobre a calçada

    Os bares quietos da vida
    Essa cidade cansada
    E esse encontro perdido
    Essa tristeza danada
    Retomo o rumo de casa
    Na noite desconsolada
    Você não sabe de tudo
    Você não sabe de nada
  • Meu pranto rolou

    Raul Sampaio, Benil Santos, Ivo Santos

    Meu pranto rolou
    Mais do que água
    Na cachoeira
    Depois que ela
    Me abandonou

    Na minha vila tranquila
    A vida eu levava
    E nessa felicidade
    A verdade eu não via
    Ela vivia dizendo
    "Não vou te deixar"
    Ela queria fazer
    O meu pranto rolar
    E o meu pranto rolou
  • Choro chorado pra Paulinho Nogueira

    Vinicius de Moraes, Toquinho, Paulinho Nogueira

    Quanta saudade antiga 
    Quanta recordação 
    O toque paciente 
    De tua mão amiga 
    Me ensinando os caminhos 
    Corrigindo os defeitos 
    Dando todos os jeitos 
    Pras notas brotarem 
    Do meu violão 

    Ah, como eu me lembro ainda 
    Cheio de gratidão 
    A hora entardecente 
    A nostalgia infinda 
    No modesto ambiente 
    Da casinha da praça 
    E eu em estado de graça 
    De estar aprendendo a tocar violão 

    E hoje nós dois 
    Tempos depois 
    Damos com nova emoção 
    Um novo aperto de mão 
    Neste chorinho chorado juntos 
    E que, tomara, renasça em muitos 

    Pois a maior alegria 
    É chorar de parceria 
    Num chorinho que é só coração 
    E relembrar que o passado 
    Vive num choro chorado 
    Pelo teu e o meu violão

    Tonga Editora Musical LTDA
  • Soneto de separação

    Vinicius de Moraes, Antonio Carlos Jobim

    De repente do riso fez-se o pranto
    Silencioso e branco como a bruma
    E das bocas unidas fez-se a espuma
    E das mãos espalmadas fez-se o espanto

    De repente da calma fez-se o vento
    Que dos olhos desfez a última chama
    E da paixão fez-se o pressentimento
    E do momento imóvel fez-se o drama

    De repente não mais que de repente
    Fez-se de triste o que se fez amante
    E de sozinho o que se fez contente

    Fez-se do amigo próximo, distante
    Fez-se da vida uma aventura errante
    De repente, não mais que de repente
  • As razões do coração

    Vinicius de Moraes, Toquinho

    É uma saudade tão doída de você
    Que eu não sei mais nada, não.
    E é isso aí sempre que o amor não pode ser,
    Sempre que a distância pode mais que o coração.

    Olhos que se olham mas que não se podem ter,
    Mãos que estão unidas mas não estão.
    Olhe, meu amor, tudo que eu quero é não sofrer
    Mais uma separação.

    Fomos enganados pelo tempo,
    Teu amor chegou tarde demais.
    E o amor é sempre um sentimento
    Que a separação não deixa em paz.

    Pode ser assim, mas quem sou eu pra resolver
    As razões do coração.
    Olhe, meu amor, tudo que eu quero é nunca ser
    Mais uma recordação.
  • Adeus

    Ismael Silva, Noel Rosa, Francisco Alves

    Adeus! Adeus! Adeus!
    Palavra que faz chorar
    Adeus! Adeus! Adeus!
    Não há quem possa suportar

    Adeus é bem triste, que não se resiste
    Ninguém jamais com adeus, pode viver em paz
    (Foi o último...)

    Adeus! Adeus! Adeus!
    Palavra que faz chorar
    Adeus! Adeus! Adeus!
    Não há quem possa suportar

    Pra que foste embora?
    Por ti, tudo chora!
    Sem teu amor, esta vida não tem mais valor

    (Foi o último...)
  • O filho que eu quero ter

    Vinicius de Moraes, Toquinho

    É comum a gente sonhar, eu sei, quando vem o entardecer
    Pois eu também dei de sonhar um sonho lindo de morrer
    Vejo um berço e nele eu me debruçar com o pranto a me correr
    E assim chorando acalentar o filho que eu quero ter
    Dorme, meu pequenininho, dorme que a noite já vem
    Teu pai está muito sozinho de tanto amor que ele tem


    De repente eu vejo se transformar num menino igual à mim
    Que vem correndo me beijar quando eu chegar lá de onde eu vim
    Um menino sempre a me perguntar um porque que não tem fim
    Um filho a quem só queira bem e a quem só diga que sim
    Dorme menino levado, dorme que a vida já vem
    Teu pai está muito cansado de tanta dor que ele tem


    Quando a vida enfim me quiser levar pelo tanto que me deu
    Sentir-lhe a barba me roçar no derradeiro bei..jo seu
    E ao sentir também sua mão vedar meu olhar dos olhos seus
    Ouvir-lhe a voz a me embalar num acalanto de adeus
    Dorme meu pai sem cuidado, dorme que ao entardecer
    Teu filho sonha acordado, com o filho que ele quer Ter.
  • Pedro, meu filho...

    Vinicius de Moraes

    Como eu nunca lutei para deixar-te nada além do amanhã indispensável: um quintal de terra verde onde corra, quem sabe, um córrego pensativo; e nessa terra, um teto simples onde possas ocultar a terrível herança que te deixou teu pai apaixonado - a insensatez de um coração constantemente apaixonado.
    E porque te fiz com o meu sêmen homem entre os homens, e te quisera para sempre escravo do dever de zelar por esse alqueire, não porque seja meu, mas porque foi plantado com os frutos da minha mais dolorosa poesia. Da mesma forma que eu, muitas noite, me debrucei sobre o teu berço e verti sobre teu pequenino corpo adormecido as minhas mais indefesas lágrimas de amor, e pedi a todas as divindades que cravassem na minha carne as farpas feitas para a tua.
    E porque vivemos tanto tempo juntos e tanto tempo separados, e o que o convívio criou nunca a ausência pôde destruir.
    Assim como eu creio em ti porque nasceste do amor e cresceste no âmago de mim como uma árvore dentro de outra, e te alimentaste de minhas vísceras, e ao te fazeres homem rompeste meu alburno e estiraste os braços para um futuro em que acreditei acima de tudo.
    E sendo que reconheço nos teus pés os pés do menino que eu fui um dia, em frente ao mar; e na aspereza de tuas plantas as grandes pedras que grimpei e os altos troncos que subi; em tuas palmas as queimaduras do Infinito que procurei como um louco tocar.
    Porque tua barba vem da minha barba, e o teu sexo do meu sexo, e há em ti a semente da morte criada por minha vida.
    E minha vida, mais que ser um templo, é uma caverna interminável, em cujo recesso esconde-se um tesouro que me foi legado por meu pai, mas cujo esconderijo eu nunca encontrei, e cuja descoberta ora te peço.
    Como as amplas estradas da mocidade se transformaram nestas estreitas veredas da madureza, e o Sol que se põe atrás de mim alonga a minha sombra como uma seta em direção ao tenebroso Norte.
    E a Morte me espera em algum lugar oculta, e eu não quero ter medo de ir ao seu inesperado encontro.
    Por isso que eu chorei tantas lágrimas para que não precisasse chorar, sem saber que criava um mar de pranto em cujos vórtices te haverias também de perder.
    E amordacei minha boca para que não gritasses e ceguei meus olhos para que não visses; e quanto mais amordaçado, mais gritavas; e quanto mais cego, mais vias.
    Porque a poesia foi para mim uma mulher cruel em cujos braços me abandonei sem remissão, sem sequer pedir perdão a todas as mulheres que por ela abandonei.
    E assim como sei que toda a minha vida foi uma luta para que ninguém tivesse mais que lutar: Assim é o canto que te quero cantar, Pedro meu filho...